a Sobre o tempo que passa: Não recebemos lições de democracia de ninguém

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

29.7.08

Não recebemos lições de democracia de ninguém


Segundo dia de muito mais trabalho do que aquele que tinha em tempo de horários de aulas e de exames, porque o trabalho de um militante da liberdade académica, mesmo que seja investigador sem direito a suplemento de vencimento pelos subsídios da FCT, não se mede pelo relógio de ponto da quotidiana greve de zelo dos que se vendem, de corpo e alma, ao observável exercício de corpo presente dos inquisidores que elevámos à categoria de supremos administradores da gestão por objectivos da modernidade reformadora do estado a que chegámos. Não vejo televisão, poucas vezes vou à "net" e, ainda há pouco, quando o fiz, reparei que o "blogger" já põe avisos a blogues que cometem o pecado de ser da oposição, nessas manobras de polícia científico que querem colocar um garrote às vozes dos que saem da normalidade canalizadora de certos aspectos da nossa democratura.




Ouço, nas rádios noticiosas, qualquer coisa sobre João Cravinho, que terá sido elevado ao trono mediático de chefe da cruzada contra a corrupção, assumindo-se como aparente sucessor de Maria José Morgado e José Luís Saldanha Sanches, que devem andar aqui, por terras da Ericeira. Apenas reparo que o grupo parlamentar do PS, repetindo velho "slogan" do ministro Santos Silva, usou do argumento retórico habitual: nós no PS, porque somos socialistas e antifascistas, não recebemos de ninguém. Nós somos a democracia, a modernidade, a justiça, tanto no programa como nas proclamações e nas práticas. Nós somos a justiça inteira, a justiça social, a justiça comutativa e a justiça distributiva, e quem atacar o nosso sistema de distribuição de rendimento mínimo é porque está contra os pobrezinhos e a compaixão, como, por exemplo o Paulo Portas, essa direita que convém à nossa esquerda.




Decido preparar-me para continuar a não ouvir telejornais, a não ouvir noticiários, a não ler jornais. Prefiro reler o Rocha Martins e o Ferdinand Lot. E basta-me ir a um desses cafés saloios da vizinhança, para tomar café e espreitar as parangonas dos dois únicos jornais que aqui chegam: o "24 Horas" e o "Correio da Manhã". Prefiro continuar a viajar pelo país real, o tal que prefere música dita pimba e que depende das obras de urbanização autorizadas pelo autarca Ministro dos Santos e donde podemos espreitar, ao longe, outras fileiras de condomínios, semeadas por Edite Estrela e Fernando Seara, agora que a melhoria da rede viária permitiu semear subúrbios por toda esta zona que já não sabe quem foi Mateus Álvares. Por mim, ainda tenho muito pó a tirar das prateleiras, para lá colocar as resmas de papelada da burocracia universitária que, todos os anos selecciono, arquivo e despejo. Ainda ontem foram dois sacões para a reciclagem...