a Sobre o tempo que passa: Regresso... com excerto de uma entrevista a Ana Clara

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.9.08

Regresso... com excerto de uma entrevista a Ana Clara

1 — A menos de um ano das eleições legislativas, que avaliação faz do estado do País?

Um Portugal dos pequeninos com a mania das grandezas... Porque, entre o cavaquismo presidencial e o socratismo da governança, o sistema vai acirrando o desespero sem esperança, onde até mingua a própria esperança dos desesperados

2 — Esta crise que se vive no País é apenas económica e social ou tem também traços de uma crise mais profunda, relacionada com o sistema democrático?

Os problemas económicos apenas se resolvem com medidas económicas, mas não apenas com medidas económicas...

3 — O poder político tem feito tudo o que está ao seu alcance para inverter a tendência de crise?

Quase três décadas e meia depois do fim do “antigo regime”, onde a ilusão revolucionária dos cadetes do 28 de Maio virou uma viradeira, mais fradesca do que caceteira, apenas temos de concluir que também este sistema virou situacionista, recuperando fantasmas e preconceitos da viradeira de sempre, sobretudo nas suas facetas de inquisitorialismo e de centralismo, as mesmas que promovem a sucessão de micro-autoritarismos sub-estatais. Pior do que isso: com uma democracia deslumbrada pela eficácia da governabilidade, reforçaram-se as nossas facetas anti-societárias e anti-pluralistas, para gáudio do negocismo dos chamados homens de sucesso.


4 — Uma das grandes causas para o País continuar longe dos índices de desenvolvimento desejáveis prendem-se com o facto de Portugal não ter um projecto colectivo mobilizador?

Sempre que penso neste país resignado ao rotativismo do mais do mesmo, onde os tiques da persiganga recrudescem, apenas tenho que reconhecer que são altos os custos individuais dos que querem praticar a independência dos homens livres. Porque voltámos àquele autoritarismo de rebanho que vive na tristeza do temor reverencial do “yes, minister” ou do “sim, senhor director”. Daí que os detentores do poder não consigam compreender como se vai acumulando a explosividade da revolta que, numa qualquer encruzilhada, pode ser rastilhada por um qualquer acaso procurado, como se traduzem as nossas habituais crises. Só que a próxima será importada dado que a maioria dos factores de poder já não são nacionais...

5 — A opinião pública aguarda e espera por um acontecimento que a mobilize. Qual poderia ser esse acontecimento?

Quem conhece a longa história das nossas sucessivas frustrações colectivas, sabe como é doloroso confirmarmos que a presente democracia deixou de ser dos nobres pais-fundadores e caiu nas teias dos “filhos de algo”. A culpa talvez esteja em certo modo-de-ser daqueless portugueses que não são sonhadores activos, esses que procuraram o paraíso na expansão ou na emigração e que resistem no não retorno. Agora domina o enjoado inactivo e subsidiodependente, acirrado por certa lisonja encantatória de algumas facetas do PREC. Os mesmos que tanto repudiam o universalismo da nossa tradição de tolerância e temem que as chamadas minorias étnicas entrem, com eles, em concorrência face ao assistencialismo de um Estado que pretendia ser de bem-estar e que tende a ser, cada vez mais, de mal-estar.

Continua