a Sobre o tempo que passa: Discurso contra o discurso, em nome da resistência pela subsidiariedade e pela defesa da autonomia dos Açores

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

31.7.08

Discurso contra o discurso, em nome da resistência pela subsidiariedade e pela defesa da autonomia dos Açores


Lá ouvi o senhor presidente. Depois de delicadamente ter recusado ir a uma televisão comentar o não-facto antes de ele ocorrer. Apenas disse à Rádio Renascença aquilo que afinal se confirmou, o presidente fez propaganda sem parecer propaganda para que fossem testadas as expectativas que a comunidade nacional nele depõe. Mas a comunicação seria bem menos dramática do que as especulações e a boataria, que até chegaram à hipótese da renúncia presidencial, embora realmente esperassem uma espécie de contra-relatório face ao de Vítor Constâncio.


Por mim, confesso, não gostei que a ameaça de bomba atómica se volvesse numa má interpretação do princípio da subsidiariedade, permitindo que florescessem de imediato aquelas ideologias que batem sempre na parte mais fraca: a autonomia política e legislativa daquele segmento do povo português que tem a sorte de poder conformar-se organicamente através do parlamento do Faial. Que, nas matérias que fazem parte da sua competência, e para cumprimento da natureza das coisas, tem aquela plenitude da autonomia que equivale à autonomia sem limites, mas dentro dos limites.


Os antiquados preconceitos e fantasmas do centralismo, incluindo os assumidos pelas costelas jacobinas, logo retomaram o discurso da incompreensão, não faltando os que insinuaram que o parlamento açoriano, que não é a assembleia consultiva de um distrito dito autónomo, está hierarquicamente dependente do parlamento da república... Como se a autonomia em causa não obedecesse ao clássico princípio da subsidiariedade, segundo o qual uma sociedade de ordem superior não pode interferir na esfera de autonomia de uma sociedade de ordem inferior. E até apareceram falsos nacionalistas que logo aplaudiram certas tresleituras, esquecendo-se que, amanhã, serão as instâncias de Bruxelas a comprimir as liberdades nacionais em nome das mesmas raízes absolutistas e até concentracionárias.


Se a Constituição não permite a audição das instâncias regionais para a dissolução de órgãos regionais é a Constituição que está mal. Pronto! Sou pluralista, regionalista e até nem me repugna aplicar o federalismo no espaço da autonomia portuguesa. Julgo que não é pecado e lutaria para modificar a constituição nesse sentido. Logo, que mal faz o presidente ter que ouvir instâncias regionais antes da eventual dissolução de órgãos regionais?


Aprendi que os Açores não são as ilhas Aaland, onde uma minoria de suecos é tutelada pelo Estado Finlandês. Aprendi que há muitas autonomias na Europa que são traumáticas, nesta Europa dos paradoxos, onde os pactos de sujeição ainda não se conseguiram harmonizar com os pactos de associação ainda por cumprir. Não é o caso dos Açores.

Há muitas autonomias regionais da Europa que representam nações sem Estado. Contiinua a não ser o caso dos Açores. Algumas delas até são nações antes de haver nacionalismo, como é o caso da Escócia, dependente de um atípico Estado Unitário, o Reino Unido, onde existe uma espécie de poder constituinte permanente no Parlamento. Daí o paradoxo presente, o de se introduzir autonomia sem federalismo, nesse modelo de Estado sem conceito de Estado e até sem constituição escrita.


Por nós, não basta o tópico constitucional do Estado Unitário Regional, onde os autonomistas utilizam o subversivo jogo retórico da autonomia sem limites, aproveitando a circunstância de a regionalização política estar proibida na maior parte do território da República. Logo, o federalismo é impossível, porque só depois de haver regiões políticas é que é possível o máximo de pluralismo de uma federação.


Logo, o princípio da subsidiariedade não consegue libertar-se das barganhas negociais dos grupos de pressão e dos grupos de interesse, como tenta expressar Alberto João Jardim, ou como o faz silenciosamente Carlos César. E a política a sério das autonomias não o bairrismo da futebolítica, mesmo quando, em desespero, alguns líderes regionais caem na tentação caciquista e nas brincadeiras dos césares de multidões, mesmo quando não se chamam César...


Já na Escócia e na Catalunha, as regiões assumem-se como uma espécie de Estados Clandestinos que proclamam o respectivo europeísmo, num jogo complexo, visando enfrentar os jogos de poder dos defensores do unitarismo soberanista dos velhos Estados Modernos, plurinacionais e imperialistas.


Não gostei do discurso, Senhor Presidente! E como Vossa Excelência é institucionalista, acredito que vai fazer o contradiscurso, de defesa de uma das mais belas conquistas deste regime. Por mim, não subscrevo os aplausos dos habituais cantaroladores do capitaleirismo castífero. Qualquer dia, até pedem ao Presidente para interferir numa assembleia municipal, quando já chega o que estão a fazer a certos segmentos daquilo que era universidade da "alma mater", onde não falatará que usem "chips" de termo de identidade, residência e estacionamento. Espero entrar daqui a uns minutos de férias, superiormente autorizadas. Não o farei, como hoje me diziam as irmazinhas do Convento do Menino Deus, que visitei em subsidiariedade da entrega de roupa. Um militante cívico nunca tem férias, quando muito "retiros" espirituais, que dão bem mais trabalho do que picar o ponto, especialmente quando se tem obra a aperfeiçoar, até quebrarmos a teia de Penélope...