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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.10.08

Está a chover, só posso dizer que está a chover, que muitas cousas ausentes se fizeram tão presentes como se nunca passaram


Hoje choveu e o dia ficou mais cinzento, mesmo depois de vir sol. Continua a chover. E fica a metáfora, à boa maneira de tempos que não passaram. O sol pode não nascer de novo. Mas há luz cá dentro. Resisto. Leio Luís Vaz. Estou condenado a desfazer a mochila e talvez ainda possa transcrever parte do poema. Acredito que a poesia é mais verdadeira do que a história, conforme me ensinou outro mestre, o que acreditava na ideia de Atenas, mesmo depois de Atenas decretar que sabia mais do que aquele que só sabia que nada sabia.

Sôbolos rios que vão

por Babilónia m’achei,

onde sentado chorei

as lembranças de Sião

e quanto nela passei.

Ali o rio corrente

de meus olhos foi manado,

e tudo bem comparado:

Babilónia ao mal presente,

Sião ao tempo passado.


Ali, lembranças contentes
n’alma se representaram,
e minhas cousas ausentes
se fizeram tão presentes
como se nunca passaram.
Ali, depois de acordado,
co rosto banhado em água,
deste sonho imaginado,
vi que todo o bem passado
não é gosto, mas é mágoa.

E vi que todos os danos
se causavam das mudanças,
e as mudanças dos anos;
onde vi quantos enganos
faz o tempo às esperanças.
Ali vi o maior bem
quão pouco espaço que dura,
o mal quão depressa vem,
e quão triste estado tem
quem se fia da ventura.

Vi aquilo que mais val
que então se entende milhor
quando mais perdido for;
vi o bem suceder mal,
e o mal muito pior.
E vi com muito trabalho
comprar arrependimento;
vi nenhum contentamento;
e vejo-me a mim, que espalho
tristes palavras ao vento.