a Sobre o tempo que passa: Relendo o sentido para a vida de Baden Powell

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.10.08

Relendo o sentido para a vida de Baden Powell


Há dias conversava com um jovem resistente, com provas dadas na libertação, que me contava como aprendera com  o Padre Felgueiras o sentido da palavra,  quando ela passa por formar um homem na raiz da sua dignidade e na procura da conquista da liberdade. Apenas se me reavivaram as memórias da adolescência, quando vivia uma crise de fé, da qual ainda não saí, e quando também ele nunca me falou de religião. Mandou-me, pelo contrário, ler Baden Powell e, há dias, ainda me confirmava que este grande paradigma só foi possível por causa do diálogo de civilizações a que os trópicos são propícios. E lá acrescentei Kipling à lista, porque as coisas antes de o serem já realmente o são, quando nos marca a imanência de só por dentro das coisas as coisas realmente serem.

Esse jovem resistente lá me confirmou que foi graças à visita de João Paulo II que a resistência passou da mera guerrilha, de menos de uma centena de activistas na montanha, para a luta política global, a partir das redes de clandestinidade, ateando uma consciência de tiranicídio que passou as fronteiras de Timor Leste e penetrou no coração da própria Indonésia.  E lá fui recordando como aprendi Timor por coração e alma. Com as histórias e teorias que me foram transmitidas por Luís Filipe Reis Tomás ao vivo, ainda antes de 1974. Com os longos contactos que, depois dessa data, mantive em Lisboa com o falecido Moisés Amaral, que me levou ao Jamor e às pensões do Cais Sodré, onde sofriam os refugiados que se assumiam como mauberes. Com o hiperactivismo do Miguel Anacoreta Correia e até com uma incursão que fizemos a uma reunião de uma internacional partidária influenciada pelo arquiduque Otão de Habsburgo, um dos líderes do grupo de pressão indonésio na Europa, tentando dar notícia dos massacres e do potencial democídio. Em vez de cedermos às tretas do realismo da guerra fria que queria uma província católica num dos maiores Estados islâmicos do mundo e onde o próprio Murdani metia cunhas a Lisboa para poder fazer uma peregrinação a Fátima...

 

Hoje, ao contactar com os primeiros frutos desta luta pela libertação, que ainda vai continuar por décadas, mas agora nas vias da institucionalização do poder, quando a mesma puder ser efectivamente protagonizada pelos próprios timorenses, apenas me apetece pedir aos que sempre foram simpatizantes, amigos ou militantes da causa que dêem tempo ao tempo e que, com humildade, tentem compreender que, por cá, há outro conceito de tempo bem diverso do “stress” do chamado “time is money”, o tal que embebedou a globalização, sobretudo a da geofinança. É preciso que o fruto libertador amadureça, enraizadamente, que a árvore da liberdade possa estender os seus ramos a uma terra sagrada.

 

Nunca esqueçamos a bela imagem de Jean Bodin, quando, referindo-se à dimensão óptima das repúblicas, dizia que tudo dependiam da alma que as fazia mover, coisa que que é a mesma coisa num elefante ou numa formiga, porque, independentemente do tamanho, ambos são dotados do tal “animus” que os faz movimentar como um todo, quando conseguem harmonizar as respectivas contradições. E a paz pelo direito e o governo pelo consentimento nunca aconteceram num ambiente de paz dos cemitérios. Só os valores universais da democracia podem fazer com que as divergências e convergências se convertam numa emergência libertadora, a tal complexidade crescente, onde na fase superior, sem que se eliminem as anteriores divergências e convergências, se procede a uma adeuada institucionalização dos conflitos, onde, pelos lugares comuns, se torna enriquecedor o diálogo entres adversários que não são inimigos. Vou reler Baden Powell. A coragem treina-se e pode mover montanhas.