É a toda esta sucessão de sinais de putrefacção que tenho chamado ditadura da incompetência, quando, como no crepúsculo da I República, regressam os bonzos, os endireitas e os canhotos. É por isso que, em resposta a um jornalista de Lisboa, sobre o caso MFL, recordei que estratégia, como aprendi no IDN, sempre foi a arte de transformar as vulnerabilidades em potencialidades e, pelo contrário, de evitar que as potencialidades passem a vulnerabilidades. Apenas para concluir que, de tantos líderes anteriores, plenos de tacticismo, mas falhos de estratégia, o PSD, para mal da democracia, não pode ter estratégia de comunicação, porque ainda anda à procura de estratégia de acção, que lhe permita superar o vazio de funcionalidade no actual sistema político.
Depois do período da gestão dos silêncios, que correspondeu a um momento de super-cavaquismo sem Cavaco, depressa se concluiu que o mesmo era pior emenda do que os sonetos de Menezes e de Santana, dado que as mensurabilidades opinativas reveladas pelas sondagens apontavam para um esvaziamento do partido em termos de apoios sociológicos. E as expectivas de muita comunicação social sobre MFL tinham a ver com a imagem que ela transmitiu de antiga ajudante de Cavaco, da ex-ministra tecnocrata que iria fazer de conselho de fiscalização de Teixeira dos Santos, vestida de Anti-Santana e de Anti-Menezes. Só que MFL tem genes de política desde os tempos do avô e do bisavô, bem como uma história de activismo e de solidariedade que lhe vem das próprias lutas estudantis, onde esteve sempre do lado da democracia. Só alguém mal-intencionado é que a pode colocar no lugar errado dos inimigos da democracia. Ou então, só alguém que não quer discutir o fundo da questão e prefere a pega de cernelha.
MFL ainda está na fase de personagem à procura de actor, ainda não estabeleceu devidamente o respectivo estilo como líder do principal partido da oposição. Primeiro, porque tem de se libertar do ausente-presente com quem sempre a comparam, Cavaco. Segundo, porque apanhou uma crise financeira internacional que a impediu de poder afivelar um discurso onde tem, indiscutivelmente, mais autoridade do que o engenheiro da Beira Interior, formado na encerrada Independente. Terceiro, porque lançou pessoal político novo, como Paulo Rangel... Isto é, MFL ainda é um melão de que só puseram no prato as primeiras talhadas, um pouco massacradas pelos empurrões, até porque muitos ameaçavam que o PSD iria apresentar outra sobremesa, dita melancia, com uma coloração por fora e outra por dentro.
"Gaffe" é o Reagan ser apanhado a ameaçar a URSS em "off", o que não o impediu de ser o presidente do fim da guerra fria, mas também pode ser a do ministro Borrego a contar uma anedota sobre o alumínio e sair do governo para apresentar estudos para a confederação patronal sobre o novo aeroporto do Barrete Verde... A ironia é coisa que não se adequa ao ritmo da "imagem, sondagem e sacanagem", a tríade que, segundo Manuel Alegre, marca a política à portuguesa...
Ao contrário do que parece, eu que costumo ser um crítico frontal de MFL, compreendi perfeitamente o que ela quis dizer e julgo que, se ela usar o tempo de antena a que tem direito, conseguirá comunicar devidamente a mensagem. Nem o avô dela, o ilustre José Eugénio Dias
Ferreira, o da greve académica de 1907, que, se quisesse, podia ser o chefe do 28 de Maio em vez de Salazar, deixaria de dizer que vivemos num período de degenerescência democrática, e que esse ambiente propicia a ilusão de uma suspensão da política. Mas também me lembro que um António Sérgio, em pleno crepúsculo da I República, chegou a lançar a ideia de uma espécie de ditadura à romana, onde, durante um período curto, se fariam as reformas que a partidocracia emperrava.
Lembro-me que Ramalho Eanes tentou coisa sucedânea com três governos presidenciais e que Mário Soares, por duas vezes, provocou a suspensão com um governo PS com ministros do CDS, por causa do FMI, e, depois, com um governo do Bloco Central, por causa da CEE. Mas o que tenho a certeza é que MFL não reeditou a proposta do Bloco Central, na linha do proposto no primeiro discurso de regresso de Paulo Pedroso. Pelo menos, eu percebi que ela estava a dizer que José Sócrates tinha entrado numa encruzilhada de conflito com as forças vivas e que, no
respectivo discurso, quase parecia que precisava de não ter partidos e oposição, sindicatos e patrões, para que o deixassem trabalhar, nem que seja como caixeiro viajante dos Sá Couto magalhanizados. Por outras palavras, compreendi a suprema ironia: MFL estava a fazer uma autocrítica e a denunciar a memória da maioria absoluta do cavaquistão, quando este mostrava o estilo que agora Sócrates parece assumir.
Em política o que parece é, e a ironia faz parte da arte literária e não do discurso eficaz a que está condenado o político. O caso mais próximo que conheço, no PSD, foi o de Marcelo Rebelo de Sousa comunicar que só iria disputar a presidência do partido quando Cristo voltasse à terra...
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