a Sobre o tempo que passa: Sócrates, Lopes e Barroso poderão achar tudo porreiro, mas, se assim for, não tardará a implosão do sovietismo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.1.09

Sócrates, Lopes e Barroso poderão achar tudo porreiro, mas, se assim for, não tardará a implosão do sovietismo


Ainda foi do outro lado do mundo, num computador de hotel, que enviei à Isabel Guerreiro de "O Diabo", um pequeno depoimento sobre a actual encruzilhada, e que hoje aqui transcrevo, quando já foram feitas todas as análises sobre os dois últimos discursos de Cavaco Silva, embora a voz de Manuela Ferreira Leite não tenha vencido a barreira de silêncios a que se condenou, deixando essa tarefa para as lebres cavaquistas de Medina Carreira e Joaquim Aguiar. Por mim, mais não posso dizer, porque padeço de dois qualificativos totalmente incorrectos face às vacas sagradas que nos regem.  

Porque, para as autonomias regionais, sou girondinamente federalista, nacionalista, europeísta e adepto da república universal, logo, ostensivamente metaconstitucional, cometendo o pecado mortal de afrontar o jacobinismo centralista, que vai do Marquês de Pombal a Cavaco Silva, passando por Afonso Costa e Oliveira Salazar, bem como o seu irmão-inimigo, o internacionalismo, bastardo de Marx, contrário ao cosmopolitismo. 

Porque, para os que confundem o socialismo, a democracia-cristã e a social-democracia com o estatismo, continuo orgulhosamente liberal, adepto de Adam Smith e daquele liberalismo ético que tem inspirado o próprio Gordon Brown, coisa que a demagogia de António Costa contra a chamada "mão invisível" parece desconhecer, com um socialismo perdido no caixote de lixo da história e embrulhado no papel de fantasia do demagógico, com os dinheiros do meu único banco, a CGD, fundado pelo liberalismo monárquico, de que o meu pai foi empregado desde os dezoito anos e que, por isso, ainda o encaro com alguma alma e confiança. 

Porque, no tocante ao transcendente situado, como sou um homem religioso, mas sem Igreja, nada ateísta e pouco agnóstico, mantenho o panteísmo de Espinosa, de Kant e do krausismo, isto é, liberal à antiga, azul e branco, ou verde e amarelo. Infelizmente, as regras, os fantasmas e os preconceitos que dominam a sociedade portuguesa transformam todos os que assim pensam em marginais do centro excêntrico, ou da direita que não convém à esquerda, porque estão na esquerda da direita e, de há muito, que não votam no CDS ou no PSD, mas que gostariam de ser como os liberais radicais que ainda têm direito a partido em França, em Itália, na Grã-Bretanha e noutras democracias, polidas e civilizadas, desta Europa da boa razão, onde, nem nas tormentas, se perde a boa esperança.

Por isso, como experimentei, brevemente, tentativas de novas soluções partidárias, nesta arenga da ditadura sistémica, sujando as mãos e dando o corpo e o nome, com as consequentes persigangas, apenas desejo melhor sorte para os que apoiam a possível refundação do PS, com Manuel Alegre; do CDS/PPD/PRD originais, com o MEP (Movimento Esperança Portugal); ou com esse laboratório de boas intenções do MMS (Movimento Mérito e Sociedade), os quais, pelo menos, têm o direito a não serem ridicularizados pelos instalados. 

Porque ainda tenho saudades dos repúblicos tradicionalistas, conjugando esperança e meritocracia, pode ser que ainda se organize um partido português de matriz efectivamente liberal, mas sem João Franco ou Sidónio, porque prefiro o António José de Almeida, juntando vintistas, setembristas, patuleias, manuelinos e republicanos, a que imediatamente aderirei, embora como senador de base, e simples militante de ideias. E tudo pode ser surpreendentemente explosivo, se houver mais coisas como o Gebalis, o BCP, o BPP ou o BPN, desde que as libertemos dos géneros literários da ficção, da teoria da conspiração e do neopidismo dos traidores, especialistas na caça às bruxas para autos de fé, ou para a colocação de simples estrelas amarelas, como tem sido procurado pelo jornalismo sensacionalista, produto da crise universitária.

Para mais esclarecimentos, eis o que escrevi a Isabel Guerreiro, e que foi publicado na passada terça-feira: É bem difícil usar usar um pouco do lume da profecia sobre o ano 2009, porque o nosso lume da razão não tem conseguido ser suficientemente complexo face a distância que vai entre a inteligência e a honra, num tempo onde o oportunismo do "porreiro, pá", apenas parce interessado em saber se, no ano que aí vem, Sócrates, Barroso e Santana serão reeleitos. Quaisquer deles, se vencerem, apenas irão de vitória em vitória até à derrota final. Porque no "day after", logo concluirão que vencer foi, afinal, ser vencido.

Por outras palavras, 2009 vai ser o ano do fim das ilusões da "belle époque" da globalização, embora possa ainda não ser o ano da nova grande depressão. O que nestes últimos meses de 2008 tem ocorrido constitui apenas um sinal de alerta para os maléficos efeitos da especulação financeira da geofinança sobre a geoeconomia. Contudo, em Portugal, marcado pela tríade da "imagem, sondagem e sacanagem", ainda não sofremos o nosso inevitável banho de realidade. Alias, os escândalos do BCP e do BPN quase nos fizeram esquecer que os dois, em termos bancarios, se assumiram, respectivamente, como os paradigmas do soarismo e do cavaquismo, confirmando o domínio daquela casta bancoburocrática que costuma marcar o nosso rotativismo, para utilizarmos as duras palavras com que Antero de Quental qualificou a Regeneração do século XIX.

Por mais que os protagonistas do PS e do PSD tentem lavar as mãos como Pilatos , ambos têm que reconhecer que tanto se peca por acção como por omissão. Que tanto é politicamente culpado aquele que deu o benefício como aquele que dele beneficiou. Se tanto o PS como o PSD têm a consciência tranquila, que enumerem todos os financiamentos directos e indirectos que receberam desses dois universos bancários. E que, em anexo, publiquem a lista dos activistas políticos que ficaram empregados no sistema dependente de tais universos. Para que se confirme o dito de Almeida Santos, segundo o qual, em Portugal, o importante nao é ser ministro, mas tê-lo sido.

O ano de 2009 vai ser, assim, o ano da queda das máscaras deste teatro de sombras que sustenta as relações entre o politiqueirismo e o negocismo. Pouco interessam as eleições e os congressos partidários. Pouco se avançará na luta contra a corrupção, à maneira da Maria José Morgado. Mas vão ser levantados muitos diáfanos mantos que recobrem a verdade e chegará a "glasnost". Só depois poderá vir a "perestroika". Sócrates, Lopes e Barroso poderão achar tudo porreiro, mas, se assim for, não tardará a implosão do sovietismo. Que acabe também a bandocracia que o sustentava.

Com Bordalo e a Maria da Fonte, sempre, pela Santa Liberdade, mesmo que o Espectro já não seja emitido de uma barcaça circulando no Tejo...