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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

7.2.09

Esperemos que as secretas, os polícias e os magistrados da democracia não se transformem no Pina Manique ou no Agostinho Lourenço!


Todas as sondagens publicadas demonstram a inevitável ingovernabilidade, até pela falta de confiança demonstrada nos oposicionistas, pelo que o mínimo de sentido de defesa do regime, implica que o sistema partidocrático exija imediatamente, ao presidente, a instauração de um novo governo provisório de salvação pública e concentração partidária, para a alteração imediata do actual paradigma situacionista. Pelo menos, o caso "freeport" tem sido a casca de banana que se vai transformando em mero revelador das fragilidades da nossa classe política, das nossas polícias, das nossas magistraturas e até dos nossos meios de comunicação de massa e do seu espelho da blogosfera, todos à procura de um pinóquio que não o dos cartazes inconformistas e não resignados da JSD.

Basta notar as parangonas de hoje. Num dos órgãos controleiros da magistratura parece que se discutiram pormenores das ligações de um sobremagistrado com as polícias secretas e a fuga de informação sobre o controlo das fugas de informação acaba por vir de quem deveria estar acima de suspeita, em matéria de fugas de informação, tal como as secretas deveriam ser mesmo secretas, os polícias, polícias, e os magistrados, magistrados. O problema é que todos desconfiam dos políticos, mas todos querem ser políticos, tal como estes procuram fingir que são jornalistas, enquanto os jornalistas vão recolhendo todas estas vergonhas, cumprindo o respectivo dever, quando as mostram ao povo.

Curiosamente, para sabermos como o poder ministerial estabelecido controla, directa ou indirectamente, alguns órgãos de comunicação social, basta passarmos os olhos sobre os que informam ou investigam sobre os assuntos incómodos para Sócrates, para que outros ocultem dados sobre a matéria, ou os reduzam a mera nota pé de página, em letra inversamente proporcional às sondagens laudatórias para o sistema. Entre o telejornal de sexta-feira de Manuela Moura Guedes e o programa de segunda-feira de  Fátima Campos Ferreira, eis o preto e o branco de duas campanhas multicolores que têm de ser descodificadas e que levam o ministro Silva ao desespero, mas com a vantagem de mostrar que ainda há socialistas liberdadeiros, como Alegre, Pedro ou Henrique Neto.

Por outras palavras, o PS, ministerializado pela empregomania da "mesa do Orçamento" e da banca "nacionalizada, nossa", caiu nas teias daquilo que um dos pioneiros dos partidos socialistas em Portugal, Antero de Quental, em plena decadência fontista, denunciou como casta bancoburocrática que, sitiando o aparelho de poder, acaba por obrigar os tradicionais devoristas das forças vivas a proclamar, sem vergonha, que "l'État c'est moi", que o Estado já não somos nós, mas apenas "eles", os tradicionais donos do poder que, vindos da monarquia liberal, passaram a "adesivos", na Primeira República, e a "viracasacas", no salazarismo. Esperemos que as secretas, os polícias e os magistrados da democracia não se transformem no Pina Manique, no Ferreira do Amaral ou no Agostinho Lourenço de uma facção conquistadora.

Mesmo que no fim do caso se liberte José Sócrates da suspeita, o que seria um grande bem para a República, ficam os destroços de um sistema apodrecido, bem como o inventário de cumplicidades e de aventureirismos, onde não tem sido devidamente realçado o papel de antigos militantes do PCP que se passaram para o PS, quando os comandos da "perestroika", ainda aliados aos coronéis do novo KGB, determinaram a mudança de rumo dos defensores do sovietismo, muitos dos quais passaram imediatamente para o mundo dos negócios, transformando as antigas sociedades de "import-export" que serviam de intermediação entre Moscovo e os seus velhos e novos satélites. Quando ontem, na sessão de esclarecimento de Sócrates na Guarda, voltei a ver o cardeal Pina Moura, comecei a dedilhar a lista dos antigos companheiros do mesmo, que se espalharam pelo aparelho central e local do PS e que continuam em íntima cooperação com os antigos trotskistas que se passaram para o que qualificam como não-lado errado da história.

Quem os conhece profundamente, isto é, os também ex-pêcês, militantes de sempre do PS, mas que nunca coincidiram com o sovietismo brejneviano, e os ex-militantes da esquerda revolucionária que também alteraram as concepções do mundo e da vida, mas por efectiva conversão e consequente alteração dos subsolos filosóficos, consegue demonstrar-nos como certas adesões ao socialismo pluralista e à sociedade aberta são mera hipocrisia. Por outras palavras, os que continuam marcados pelo neomaquiavelismo das vidas duplas, e que acabaram por viver o exacto contrário de seus íntimos pensamentos, talvez tenham gerado estas vias pantanosas, embora mantendo certos métodos de limpeza de memórias e de apagamento de papéis e fichas, segundo as tradicionais técnicas dos sargentos verbeteiros, emitidas pela central técnica do edifício com que encimo este postal.