a Sobre o tempo que passa: O delegado de informação médica... e a violação das massas pela propaganda

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.6.09

O delegado de informação médica... e a violação das massas pela propaganda



Observei ontem, em directo, na SIC, que a intervenção de José Sócrates corresponde a um encenado terceiro heterónimo, como homem de poder. Se, num primeiro ciclo, o do estado de graça, ele foi o animal feroz com pele de gajo porreiro, e, num segundo tempo, até às eleições europeias, exagerou como delegado de propaganda médica, eis que, perante Ana Lourenço, se volveu em mero delegado de informação médica, com um ar de explicador de província das aspirinas do reformismo. Mais acrescentei que, no subconsciente, estava uma espécie de salazarismo democrático, desde a invocação do economista que se impôs nos anos trinta, "kaines", ao quase plano das escolinhas dos centenários, não faltando o paradigma de obra do regime, onde o TGV aparece como a vermelha ponte sobre o Tejo, já que Cavaco tem a Vasco da Gama, da feijoada. Até me recordei da estatização pela CGD salazarista das caixas de crédito agrícola múto do Brito Camacho e do D. Luís de Castro. A esquerda ficou ontem reduzida ao crescimento do intervencionismo dos aparelhos de Estado na economia e na sociedade, à boa maneira do velho mercantilismo de Estado do pombalismo.

O primeiro-ministro estava quase tão perdido como os próprios comentadores, por não terem todos suficientes estudos de opinião que lhe permitam descobrir para onde pendem os sessenta e tal por cento de abstencionistas e votos em branco. É evidente que irritei dolososamente tanto os situacionistas como os oposicionistas. Esses que agora pensam poder dialogar directamente com essa abstracção dita dos portugueses, sobretudo dos eleitores que calaram, que não consentiram, que nada disseram. E ninguém pode com ciência certa, mesmo que com poder absoluto, determinar esse silêncio. Não chega o lume da razão. Há muitos bruxos e adivinhos, mais ainda vendedores de charlatanismo. Poucos sabem manejar aquela intuição da essência que se desenvolve pelo lume da profecia.

Se a tivesse poderia ser um bom político. Nunca o serei. Apenas sou dono da minha opinião e da subjectiva interpretação que faço das circunstâncias, onde, inevitavelmente, derramo as minhas concepções do mundo e da vida, bem como as minhas naturais simpatias e antipatias. Contudo, porque as expresso sem qualquer restrição de fingimento, tento praticar a independência da minha aproximação à verdade, sem qualquer disfarce de autoritarismo catedrático, em nome de uma pretensa ideologia científica. Mais: não estou arregimentado ou iludido pelas actuais canalizações partidocráticas de situacionistas e oposicionistas e nunca estarei satisfeito comigo mesmo...

Sócrates ensaiou o homem novo, procurando a "legitimidade refrescada". Reconheceu "fracasso", "derrota" e "desgaste". Notou o afastamento de sectores sociais como os dos professores, dos juízes e dos funcionários públicos. Mas disse resistir a cem mil na rua, orgulha-se dos resultados e teve alguns lapsos de língua quando exagerou na crítica "àquela comissão parlamentar de inquérito", dita "chocante", e usou a palavra falência para os casos do BPN e do BPP, além de outros termos como os de "mentira", "vigarices" e "indecorosidades". Por outras palavras, foi não apenas liberal quanto ao divórcio e á IGV, como também sobre certa eutanásia bancária da "morte controlada". Nada disse de Dias Loureiro nem do BCP.

Não lhe saltou a tampa como durante a tarde, onde o animal feroz, de supremo opositor da oposição, malhou à esquerda e à direita. Preferiu ser tão hipercentrão quanto o discurso que mandou fazer a Luís Amado, embora continuasse a fingir que estava num comício do Bloco de Esquerda contra o Bush, ao lado de Diogo Freitas do Amaral e de Mário Soares, para se candidatar a chefe do Bloco Social de Esquerda, contra o Bloco Social de Direita, que gostava de ver comandado por Paulo Portas e Santana Lopes.

Isto é, continuaram as disputas retóricas, típicas da endogamia de um sistema quase em autoclausura pouco reprodutiva. Isto é, o avançado de centro do situacionismo, sem a táctica de Mourinho, quis disfarçar a circunstância de as canalizações representativas do actual sistema terem entrado em completa disfunção. Nem se lembrou que quebrou a tradição federativa do velho PS soarista, com os seus "challengers". É que Cavaco tinha Dias Loureiro e Fernando Nogueira, como ministros do mesmo governo. Guterres tinha Sócrates. E Sócrates continua a ter Santos Silva...