a Sobre o tempo que passa: A classificação política que me foi dada pelo ICS levou-me à metapolítica que é a verdadeira política

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.9.09

A classificação política que me foi dada pelo ICS levou-me à metapolítica que é a verdadeira política


Não vou comentar o confronto entre Portas e Sócrates. Foi civilizado e duro. Vi-o depois de ele ter ocorrido, porque sei o que eles fizeram no Verão passado. Enquanto os tais fingiam que eram estadistas, estava eu a responder à bússola para os indecisos do ICS, a essa tradução portuguesa de modelos anglo-americanos. Em oitenta por cento das questões fui do tique "neutro", porque a ditadura das perguntas não se aplica, segundo a minha opinião, às circunstâncias portuguesas. A classificação que me foi dada andou pelo libertário cosmopolita, muito próxima daquilo que dizem o PS, no quadrado da esquerda, bem junto à linha de cima. Porque a ditadura dos perguntadores não deixa espaço a um liberal pouco neoliberal.


Aliás, estava a acabar de ler um magnífico postal do Corcunda, e a concordar com os dois primeiros primeiros pilares da trindade invocada. Com efeito, segundo um dos mais brilhantes pensadores da nova geração, há "total impossibilidade de separação entre as esferas política e religiosa ou metafísica" (um); importa reconhecer que "aceitar a independência da esfera política em relação às posições metafísicas torna qualquer apelo àquilo que é justo uma afirmação jurídica e não uma afirmação de 'dever ser'” (dois); não se pode alegar a independência da política face ao fenómeno religioso, como legado liberal (três). E conclui ser impossível "haver conservadorismo britânico num Estado Laico".


Apenas observo, sem ir ao fundo da questão, mas para obrigá-lo a responder, e confesso que várias vezes, no passado, conseguiu fazê-lo, levando-me a derrotas argumentativas, apenas observo que se só houvesse conservadorismo britânico não poderia haver conservadorismo no mundo, mas apenas colonização britânica. O maçon Burke, que fundou o movimento de ideias pós-revolucionário, e que era citadíssimo pelos nossos vintistas, e não apenas por ser maçon, porque Maistre também o era, maçon e providencialista, são excelentes reveladores da complexidade de heranças.


Responder-lhe-ei com dois modelos políticos práticos que contrariam a conclusão da pretensa lei positivista que enumera: os Estados Unidos da América e o Brasil. Porque Estados formalmente laicos só conheço a França, da Constituição de 1958, e a Turquia ataturkiana. Nem a Constituição portuguesa de 1976 transformou Portugal numa "república laica". Porque só os herdeiros mentais do positivismo naturalista de Haeckel é que não subscrevem as duas primeiras proposições do Corcunda. Nenhum neoclássico pode separar, dentro de si, as esferas do homem de sempre, a política, a religiosa e a metafísica. Eu não o consigo fazer. E também não pode reduzir-se a justiça, a estrela do norte da "polis" e a virtude das virtudes cívicas, à comissão de serviço juridicista de um qualquer operador judiciário.


Discordo do terceiro argumento. Mas não irei dissertar sobre ele. Apenas dou os nomes de Teixeira de Pascoaes e Leonardo Coimbra, antigos republicanos e maçons, e o exemplo de António Sérgio, republicano não-maçon, os tais que, em plena I República, se insurgiram contra a estupidez de má tradução em calão em que se envolveram os costistas neojacobinos, traduzindo em mão calão a III República francesa, até que o camachista Alberto Moura Pinto, outro maçon, fez a revisão da lei da separação, para que o presidente António José de Almeida impusesse o barrete cardinalício ao núncio e o chefe do governo, o ex-carbonário António Maria da Silva recebesse elogios parlamentares dos deputados do Centro Católico Português. Julgo que Fernando Pessoa, ex-grevista republicano de 1907, mas anticostista militante, pôs o dedo na ferida em 1935, ele que era conservador e liberal à inglesa.


O Brasil, essa criação do "português à solta", como Manuel Bandeira definiu o brasileiro, demonstra como se pode ser um país simultaneamente livre e religioso. Tal como o vizinho mais a Norte, as duas principais potências metafísicas do mundo ocidental. Fizeram sempre revoluções evitadas, conforme a lição de Burke, retomada por Hannah Arendt. Admitiram a complexidade e a pluralidade de pertenças e não cometeram deicídios. Até permitem a pluralidade dos divinos para que se possa continuar a procura da raiz do mais além. Pena que o nosso Silvestre Pinheiro Ferreira não tenha podido unir o que andava disperso, por Junot e Beresford, e que continuemos a ser enredados pela falta de abraço armilar que Agostinho da Silva miticamente identificava com a herança de D. Dinis e da Rainha dita Santa, repetindo o que o maçon e republicano Jaime Cortesão qualificava como o Espírito Santo. O do Padre António Vieira. Desculpe, Corcunda, são apenas vagas emissões de pequenas pedras pouco argumentativas, para desejar que me desfaça em mais argumentos como os seus, fundamentados na sua procura da verdade.


PS: O quadro representa Newton.