Deliberados reencontros. De Teresa Vieira
DELIBERADOS REENCONTROS
Olhei para a noite e repensei nas palavras do António Alçada naquele nosso almoço em Sintra. Pensei nelas, num sentido histórico, tal como as interpretei. Creio que na historicidade do Saber, há bem mais do que a esperança na mudança da vida que se vive.
Em rigor, acredito num aperfeiçoamento não interrompido, num formar-se uns aos outros dos sentires e nos entendimentos nucleares, o que torna possível estabelecer condições de exigência inegociáveis face ao que nos rodeia; mesmo que a inegociação só exista de nós para nós, já é um princípio de luta cerrada ao que nos desgosta os dias.
Um dia, chegado a Veneza, caiu um amigo comum, o Luís, numa profunda e negra melancolia. Realçámos, eu e o António Alçada, que o que o tinha salvado na estada, fora a ingenuidade que por lá não encontrou. Salvou-o que todas as gondoleiras fossem meretrizes. Salvou-o que a terra tenha sido originariamente um mar, ou o inverso. Salvaram-no as imprecisões lucidas, o eu vejo tudo e já não sou amante. Salvou-o a construção de um carrocel em forma de árvore numa das ilhas que visitou perto de Murano. Afinal, só assim e sem dono nem eira certa, soube cuidar da dinastia dos cantores de rua que por lá encontrou.
Lembrámo-nos, neste almoço, que uma das canções dos cantores de rua, deixara o Luís muito impressionado pois que o refrão dizia numa generosa tradução «Ó amados meus, perdoem-me de que sou culpado? Que mais quer a vossa vida de preço trivial para me condenar depois de atado?»
Olhei a noite de novo e sorrio à pseudo-obediência de que todos somos capazes sem análise de culpa. Recordo agora as palavras de Pascal: «o género humano deve ser considerado como um mesmo homem que subsiste sempre e aprende continuamente».
Nesta constatação, António, também está o sorriso de Deus, ou como dizias, Ele ri-se mas é daqueles que andam por aí a fazerem o mundo como está.
Teresa Vieira
29.12.09 – sec.XXI
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