A lancinante doença. De Teresa Vieira
E a festa traz consigo o individual e o colectivo: a terapia da lancinante doença.
Sabe-se que entrámos no Ano Europeu de Luta contra a Pobreza e a Exclusão Social neste 2010. Sabe-se, e não se sabe bem o que isto significa, qual o nosso grau de responsabilidade, qual a medida deste sofrimento.
Sabe-se que a União Europeia é uma das regiões mais ricas do mundo e, contudo 17% da sua população não tem modo de satisfazer as suas necessidades básicas.
Diga-se que a Europa é muito sofrida na pobreza e na exclusão social o que ainda é mais gritante, face a um mundo que se entende superior e nem compreende o quanto a pobreza e a exclusão social são um empobrecimento de cada um de nós, de cada cidadão, que nem em si mesmo trava esta batalha pela justiça mínima, face aos outros que pouco ou nada têm, e referimo-nos à mesma justiça que se entende por direito próprio nos seja reconhecida e atribuída em qualquer circunstância.
Então e os outros? Aqueles que vivem cada dia como uma morte diluída em cada gota-a-gota de agonia?
Refiro-me à União Europeia já que é fundamental não descuidarmos que a palavra união, constitui a união de realidades sentidas pelos seres que a intuem, como o único caminho que agarra a solidariedade pelo caule e com ela enfrenta o que iremos todos unidos fazer na luta.
Infelizmente a pobreza e a exclusão social, que vivem de mãos dadas, são vistas hoje como um tema normalizado ao qual se recorre para sabermos quanto muito, qual o número de pessoas que se assemelham numa idêntica desgraça expondo-se as condolências de ocasião.
Na verdade, raramente o modelo trágico de vida que todos impomos a outros seres iguais a nós e que morrem aos nossos pés, fazem despertar a certeza de que assim permitir esta não-vida, não é humano e em consequência, ou nos mobilizamos todos e cada um, ou o simulacro da bondade traz consigo a conversa da sintonia que faz de conta.
Às vezes, e são muitas estas vezes, acorda-se o corpo e sacode-nos numa doença ímpar em cada um de nós. É então chegado o momento de nos queixarmos do sofrimento que nos toca viver e enfrentar. Consultamos especialistas a respeito da nossa necessidade de cura urgente, queremos utilizar os mais avançados métodos terapêuticos e munidos do dinheiro necessário e usado como unidade contável, também no acesso à saúde, sentimo-nos corajosos por accionarmos todos estes dispositivos, alheios de todos quantos não os possuem, exactamente porque o escambo é feito sempre entre os mesmos: leia-se os poderosos.
Sim, os poderosos somos afinal todos os que atingimos um objectivo a que nos propomos. Os outros poderosos que bem conhecem a cor do dinheiro pelo faro, há muito que nos convidaram a mendigar o circuito e dele fazer uma potencialidade para emergência futura. E muitos foram os que aceitaram. Muitos foram os que revogaram o passado e o presente e aniquilaram os vindouros numa trama sem código.
Deste modo, também deste modo se carrega no botão das posses de cada um e fecham-se os sentidos à pobreza e à exclusão social, antes que as mesmas se colem a nós e não desgrudem, nem mesmo pela força do nosso alheamento.
Assim encontramo-nos face a face a uma Europa da temporalidade da própria espécie de cidadãos que se institucionaliza, assentando vida em peças suplementares e para quem a ausência de terapia para fazer frente à tragédia, é algo que os não tolhe: mais, é algo que se arremessa à cara dos outros como porta de entrada à própria absolvição neste acto de rechaçar culpa própria.
Ora, isto de se falar nas nossas capacidades, tem o seu postulado. Trata-se de um conjunto de forças disponíveis em cada um de nós e que nos perguntam constantemente, o que é que essas forças fazem se nada acontece que melhore a doença crónica da pobreza e da consequente exclusão ou a inversa?
Podemos alertar que as contas se fazem antes, isto é, desde a tomada da droga ao deitar não vá termos insónia, ou o antibiótico que previne a infecção pós-operatória, até ao sumo de laranja que contribui ao evitar da gripe, pergunto: quem não faz desta medicina uso corrente? Então quem não sabe que o remédio anula a doença? E mesmo que a mesma persista, sempre aumentamos a nossa forma de combate até aos limites.
Assim sendo, como justificamos que o imenso poder que afinal detemos não o reunamos em nós, nele englobando toda a humanidade carente?
E como não dar a voz, a palavra escrita, o gesto, às necessidades de todos quantos vivem na pobreza e na exclusão social? Como não sermos nós mesmos a própria organização da sociedade civil a não estigmatizarmos a pobreza? Como não garantir a solidariedade entre as gerações, assegurando aos nossos próprios filhos um mundo de humanidade?
Lembremo-nos todos que o poder, quando estacionário, tem inevitavelmente tendência a cair por efeito da própria inércia. Acelaremos todos as capacidades que temos e criemos em bloco o medicamento para este holocausto que se tem mostrado imparável e impune. Utilizemos a capacidade do fim e do meio de eliminação das causas sociais de tão horrenda doença.
A justiça elimina o risco de nova doença se mantiver a margem de eficácia que se deseja. O mesmo é dizer que dentro de cada um de nós deve funcionar uma delegação própria de um tribunal penal internacional, dentro do qual se entenda, o quanto nos é dado o poder de intervenção no corrigir das assimetrias da qualidade de vida.
Muito haveria a dizer sobre este tema pungente, mas talvez já baste por agora lembrar que a felicidade é um estado «civil» decretado pelas coordenadas de base de um Estado no que se refere às suas condições mínimas.
Talvez que a preocupação não deva ser tanto a de sermos felizes, mas a de cada um e todos fazer a própria felicidade num mundo onde a abundância só se justifica se dividida.
Façamos de 2010 um bom exemplo contra a pobreza e a exclusão social, não esquecendo que a condição mínima é ser-se São, e este poderoso Ser será clonado e clonado já que como alguém disse, a felicidade é uma coisa que podemos dar mesmo quando não a possuímos.
Ensinemos esta Europa a ser menos autista ou menos nevrótica. Todos somos o seu conteúdo, os seus afluentes, a sua festa.
Saibamos pegar em muitas das suas belas tradições e identifiquemos o direito que todos temos a viver, não de coma irreversível, mas de possibilidades que perseguirão sempre o desígnio da dignidade humana.
Teresa Ribeiro Bracinha
3.1.10
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