a Sobre o tempo que passa: A Filarmónica Fraude: um partido independente. Por Teresa Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

10.10.10

A Filarmónica Fraude: um partido independente. Por Teresa Vieira

Recordo que Fernando Rui Linhares, catequista na Igreja de Sta Isabel em época áurea dos sons da Capela do Rato e estudante de Direito, era irmão de Luís Linhares, sendo este um dos membros da Filarmónica Fraude  - o grupo de Tomar - que por volta do ano de 1969 lançou o vinil de 45 rotações que, se a memória me não falha, continha a célebre canção cuja letra rezava assim: “Chegaram carros àquela Igreja toda enfeitada com cravos brancos, rosa e cereja tudo gente muito bem (…) rebenta a bomba só passaram 4 meses do dia que a boda se deu e ela já aqui vem a casa com o filho que hoje nasceu”.
Que se me desculpe os lapsos pois cito de memória a letra que julgo ser a da canção “Flor de Laranjeira”.
Recordo-me miúda, quando escutei um ensaio desta Filarmónica pela mão do meu catequista Fernando Rui, e recordo que a letra da canção que menciono acima, me deixou estupefacta pela verdade revolucionária que têm as verdades ditas no tempo próprio.
À distância, e ao longo dos anos, muitas vezes pensei na mordaz critica social que estava contida nas letras das canções rock progressivo da Filarmónica Fraude e, tanto quanto recordo a censura também não a deixou viver sem problemas, tendo sido “Flor de Laranjeira” proibida na Emissora católica Portuguesa.
A verdade é que o tempo da Filarmónica Fraude era o tempo das flores e das calças à boca-de-sino. Era também um tempo de epopéias no abalar das consciências.
Era o tempo em que eu e a minha muito amiga Dulce ficávamos a aguardar que o crescimento nos desse a hipótese pública de demonstrarmos que tínhamos entendido alguma coisa profunda acerca daquelas canções de um claro e emaranhado universo, através do qual vimos um dia, Luis Linhares ensaiar na bateria uma revolução de sons, lá pelos lados de um sótão de Campo de Ourique (??). Seria? E seria o Luís ???já que o tenho pelo rapaz do piano? Não sei, nem importa.
Sei que a Filarmónica Fraude vai editar novamente por este Natal e não queria deixar de frisar a abundância de idéias que este grupo semeou em seu tempo, sem precisarem de exibir curriculum, nem de fazer juras eternas por qualquer cartilha.
Pela mudança e contra a repetição dos pensares; pela porta que se fecha e que esconde sempre a que se abre, de que a vida continua, apesar de nós e para além de nós, lembremo-nos desta filarmónica e da fraude (que faire donc?) generosa que então nos deu as pistas e os traços de vários sonhos por abrir.
M. Teresa B. Vieira
Domingo 10 de Outubro de 2010 do sec.XXI