a Sobre o tempo que passa: A guerra colonial, meio século depois...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.2.11

A guerra colonial, meio século depois...


Foi há cinquenta anos em Luanda. E, ao contrário de certa literatura de justificação dos regimes, de antes e de depois, de aquém e de além mar, a parcela portuguesa de hoje, mais sociologicamente próxima da média europeia, tem a ver com os soldados da guerra colonial e com os retornados da chamada descolonização. Todos têm muito a ver com os franceses que foram derrotados no Vietname e em Argélia, com os holandeses da Indonésia, com os belgas do Congo e com os britânicos de muitos Quénias. Todos depois de uma segunda guerra mundial, cujas memórias, de mais guerra são.

Aliás, os fundadores do projecto europeu tinham essa faceta colonial em comum, gerindo jóias da coroa do além mar nos seus espaços de soberania. E Jean Monnet consagrou-lhes adequado capítulo, para formas de descolonização e desenvolvimento comuns. Por outras palavras, não era pelo Portugal do Minho a Timor, em grande parte gerado pela corrida europeia de partilha de África, que não tínhamos condições para a europeização dos anos cinquenta. Bem pelo contrário. Apenas andámos em contraciclo, dado que quando os outros parceiros descolonizaram, quase todos governos de direita, nós deixámos que começasse uma guerra colonial tardia, na altura que eles se viravam para a hipocrisia do neocolonialismo.

Infelizmente, a Europa do pós-guerra, pela falta de potência e até de competência moral, não recebeu confiança por parte daqueles que mais morreram para se libertarem dos demónios europeus que provocaram, ou permitiram o holocausto, a Ocidente, e a satelitização, a Leste, onde, felizmente, não participámos.

Acresce que os movimentos ditos de libertação das colónias portuguesas delinearam-se quase todos na velha capital do império. Uns, como meras correias de transmissão do PCP e da central de poder mundial de quem o grupo era satélite durante a guerra fria. Outros, procurando o mais além do socialismo da negritude, ou da solidariedade pan-africana, católica ou protestante. Mas quase todos em aliança com instituições bem portuguesas, ligadas ao nosso reviralho ou às nossas igrejas.

Por outras palavras, quase todas essas sementes, bem antes da ruptura e da guerra, estavam irmanados por uma comunidade de coisas que se amam, por tais afectos que raramente puderam elevar a inimigo o povo português, mas antes o regime contra o qual aprenderam a combater por dentro. E aqui coincidiam com os portugueses oposicionistas.

Dessa maneira nebulosa, os actos de resistência, entre revoltas como a do Pidjiguiti, em Bissau, e as sedições, como o assalto à cadeia de 1961, Luanda, em Fevereiro de 1961, assumem tal ambiguidade simbólica que não poucos inserem os episódios no processo histórico  do próprio antifascismo português.

Acresce que, militarmente, a guerrilha das três frentes, nunca conseguiu pressionar o exército colonial numa derrota da formal soberania portuguesa. Mas também é possível concluir que também nunca seria possível uma vitória militar do exército colonial, dado que as realidades da demografia e da dinâmica política, apontavam para alterações drásticas ao fim de treze anos de esforço. Seria impossível, a partir de meados da década de setenta qualquer quadrícula mínima de ocupação em tais largos espaços. Por outras palavras, a descolonização forçada, ou o abandono, de 1974-1975, militarmente falando, seria a única forma de Portugal evitar uma vergonhosa derrota militar.