a Sobre o tempo que passa: Rascunho para um sebastianismo com os pés no chão e a revolta no céu

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.1.11

Rascunho para um sebastianismo com os pés no chão e a revolta no céu


1
Explosões terroristas em Moscovo, descontrolo no Egipto, meros sinais de turbulência de um mundo que vai girando, indiferente à injustiça, à fome e à doença.

2
Estamos bem mais dependentes dos jogos de interesses de vastas redes neofeudais desta gestão de recursos escassos, onde até há quem salive pelo testamento do velho Stanley Ho.

3
Ficámos na enorme fila dos que têm de submeter-se para sobreviver. E não há suficiente temperatura espiritual que nos avive as brasas do sonho, de quem é capaz de lutar para continuar seu viver.

4
Hoje, nacionalismo, europeísmo ou universalismo estão perdidos nas sucessivas teias do pretenso cientismo dito estratégia, do falso pragmatismo dos tecnocratas, servidores de príncipes, e da utopia inconsequente dos cantadores de ideologia.

5
Eles já não conseguem mobilizar suficientes energias individuais que possam subverter as comunidades políticas.

6
A síntese lusitana desta decadência chama-se eleição presidencial e continuidade governamental.

7
Cavaco e Sócrates são mera consequência desta força da inércia, bem como dos temores ancestrais de quem, enjoadamente, teme o risco da regeneração e da aventura, com os pés no chão.

8
Continuamos a preferir as contas de merceeiro de uma aposentadoria de posto de vencimento, ou de reforma, e já perdemos o sentido das flexíveis naus que nos deram a rota do armilar.

9
Quem torce perante a servidão voluntária pode ter perdido a fibra multi-secular que nos deu pátria.

10
E tristes nos revolvemos neste degredo de um aquém onde já não se vislumbram as raízes do mais além.

11
Se temos que respeitar institucionalmente as medições de uma vontade de todos, apenas devemos notar a percepção que foi manifestada pelos que julgaram a encruzilhada pensando nos próprios interesses.

12
Por mim, quero fazer parte daquela minoria que pensa cumprir a vontade geral e que, portanto, não se revê no situacionismo presidencial nem no situacionismo governamental. Logo, temos de continuar a semear. Hoje, não. Amanhã, será.