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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.10.04

Os pensadores e os tarimbeiros

Alguns grandes pensadores portugueses falharam estrondosamente quando ousaram vestir a farpela de partidocratas ou homens de Estado. Foi o caso de Silvestre Pinheiro Ferreira, Almeida Garrett, Vicente Ferrer de Neto Paiva, António Cândido e Joaquim Pedro de Oliveira Martins, durante a monarquia liberal. Bem como de Leonardo Coimbra, Ezequiel de Campos ou António Sérgio, na I República.

Falhanço colectivo foi o do regime do Estado que quase se configurou como um república de catedráticos assentes nos dogmáticos cadeirões do poder, acabando por tornar bem traumáticas as relações entre o saber e o poder, face à permanência dos atavismos inquisitoriais e pombalistas, entre as juntas expurgatórias e as deduções cronológico-analíticas.

Talvez por isso é que o abrilismo pós-revolucionário acabou por ser configurado pelo sistema dos tarimbeiros, onde os professores universitários mobilizados para as tarefas da governação foram quase sempre usados como tecnocratas, à maneira do modelo fontista.

Desses, os mais que mais alto atingiram o cursus honorum foram quase sempre chamados ao poder em pleno ciclo de progressão académica, como aconteceu com Diogo Freitas do Amaral, Marcelo Rebelo de Sousa, Francisco Lucas Pires ou Carlos Alberto da Mota Pinto. Porque, como o sistema considera que um bom político tem que ser marcado pelo princípio de Peter, não se pode recrutar quem seja um homo academicus em plena liberdade de cátedra, dado ter condições para ser um homem livre.