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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.11.04

Pressões, impressões, política, moral e direito


Ontem não pisei estes terrenos blogueiros, porque andei a servir de bombeiro noutras paragens da mesma pressão, fluída e ilegítima, neste caso, no mundo das cardinalices universitárias. Hoje fui chamado à Antena 1 para comentar a posição da Alta Autoridade para a Comunicação Social sobre o caso Marcelo, assinalando que concordo ter-se tratado de uma pressão, embora sem a poder qualificar como ilegítima. Naturalmente, observei que os visados, o PSD e o PPP, querem transformar a entidade em causa numa domesticada dependência da maioria parlamentar, dando-lhe a dimensão das comissões de inquérito de São Bento, onde não consta que a razão alguma vez tivesse deixado de coincidir com a maioria. Porque a nossa democracia continua a padecer do genético defeito jacobino, da ditadura absolutista das maiorias que se sucedem. Logo, para a maioria situacionista só haverá uma Alta Autoridade não desacreditada quando esta for reverente e obediente face à maioria que está.


Não há maneira de entendermos a democracia de forma poliárquica e pluralista, onde o poder não é coisa que se conquiste, mas antes uma relação entre a sociedade civil e o aparelho de poder, onde o exercício da pressão e a manifesta exposição dos interesses é inevitável. A caixa preta do sistema político, que visa produzir decisões políticas, tem como "inputs" o jogo dos apoios e das reivindicações, onde a actividade de influência no processo decisório, através dos chamados grupos de interesse e grupos de pressão, constitui o normal dos anormais da política. Ora, a pressão tanto pode ser aberta, como a ameaça, a greve, a manifestação ou o boicote, como pode ser oculta, tal como a que emerge no caso da corrupção, do clientelismo, do nepotismo e da "pantoufflage". Aliás, um processo político entra em derrapagem quando quem manda deixa de obter o consentimento de quem é mandado pelo processo espontâneo da persuasão. Quando isto acontece, quem manda não foge, passa a utilizar a técnica da manipulação, invocando a ideologia ou promovendo a propaganda. Só na fase três é que invoca o autoritarismo e só em momentos de excepção é que utiliza a violência. Todo o processo político, de todos os tempos, sempre foi uma moeda com duas faces, uma visível e outra oculta, uma fingindo, no teatro do Estado-Espectáculo, do Congresso de Barcelos à passagem de modelo no navio-escola Sagres, outra jogando nas jogadas invisíveis da pressão.


Foi tão ilegítima a pressão de Paes do Amaral sobre Marcelo, quando a pressão da reunião de Rui Gomes da Silva e Paulo Portas em casa do patrão da Grão-Pará. Isto é, nenhuma delas foi ilícita, ilegal ou ilegítima, nenhuma delas é passivel de investigação judicial ou até de investigação parlamentar pelas virgens ofendidas de uma partidocracia que vive escondendo as respectivas fontes de financiamento partidário, onde quem quer que queira ser líder, depende do domínio dos aparelhos de comunicação política, onde dominam autarcas e patos bravos que só de vez em quando assobiam pela via de apitos de muitas cores e não apenas dourados. Se calhar, era melhor copiarmos a actual legislação francesa sobre a "pantoufflage", seguirmos à risca as recomendações da OCDE sobre a luta contra a corrupção e deixarmo-nos de hipocrisia. A política deve analisada pelos métodos da política e não pelos métodos do controlo da legalidade ou da moralidade.


Neste sentido, também quero, mais uma vez, declarar que o meu blogue não é um blogue e que não me considero membro da tribo da blogosfera. Logo, não obedeço aos bons, ou maus, costumes decretados pelos pretensos santos deste tasco burguês, onde, muitos continuam, muito provincianamente, pensando que ainda permanecem os primitivos actuais. Apenas não reparam que mesmo este mundo também é composto de mudança, sobretudo quando o aparente contra-poder atinge o objectivo de instalar-se, logo se transformando naquilo que sempre foi o situacionismo, um quintal estreito onde vigora a teoria do espaço vital, a guilhotina e a fogueira da mentira. Ora, quando a ordem instalada atinge o clímax da desordem moral e quando o todo passa a ser instrumentalizado por alguns interesses particulares, logo o inferior trata de ocupar o lugar do superior, pelo que a ordem passa a desordem e a verdadeira ordem volta a ser a anarquia mística.

Reconheço, contudo, que os émulos de Pedro e Paulo, no mundo dos ditadores intelectuais, podem, como eles, assumir-se como insignes profissionais, até porque arriscaram e, portanto, merecem o petisco do poder, seguindo a velha regra maquiavélica, segundo a qual a essência do poder é o mesmo procurar manter-se. Logo, não duvidem que as sumidades regentes se submeterão à ditadura do "status quo" e cumprirão as regras de todos os manuais de bem cavalgar na Razão de Estado. Até produzirão todos os necessários discursos de justificação sobre a impossibilidade de cumprimento das promessas.