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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.1.05

Nesta democratura controlada pela partidocracia...



Madruguei hoje, em plena baixa lisboeta, a fim de fazer uma visita burocrática, com hora marcada, e deparei com o centro da minha capital com o ar de cidade ocupada por emigrantes e burocratas, muitos sem-abrigo adormecidos e raríssimos alfacinhas a caminho de qualquer trabalho produtivo. Temo que nos transformemos num Portugal quase serventuário, dependente do despacho de um qualquer Sua Excelência, com muitos cartazes de boas festas da autarquia numa evidente manobra de propaganda pré-eleitoral, paga pelo bolso dos contribuintes que não fugiram aos impostos. Temo que acabem por triunfar os biscateiros da política e da economia, aliados dos patrões-comerciantes dos grandes grupos económicos, com os seus caixeiros viajantes feitos deputados e membros do Governo e uma fauna de parasitas e patos-bravos das muitas feiras de coiratos de pedra caiada de branco.

Mais uma vez reparei que este começa a não ser o meu país. E, nostalgicamente, mas com muitas saudades de futuro, sinto pertencer a um mundo antigo que será amanhã, quando as unidades político-culturais voltarem a ser feitas de muitas diferenças, quando as pátrias tornarem a ser constituídas por muitas pequenas pátrias, as patrias chicas do castelhano que, entre nós, eram poeticamente qualificadas como santa terrinha. Reparo que, neste primeiro dia do fim do proteccionismo, torna-se cada vez mais evidente o fracasso do rolo compressor de abstractos sistemas que se escondem por trás de certas tretas, ditas inevitáveis. Em nome do europeísmo usurpado pelos eurocratas. Em nome da tal globalização, assaltada pelas sucursais chinesas das multinacionais que aqui se expandem pelas lojas que eram ditas dos trezentos.



Nesta democratura controlada pela partidocracia, as ditas elites não passam de corporativismos de casta, onde a retórica e a capacidade mediática apenas ocultam a verdade de vivermos sob uma ditadura da incompetência. Continuamos presos a uma mentalidade tacanha produzida por uma sociedade efectivamente fechada, onde os reais donos do poder precisam de continuar a ocultar-se atrás dos feitores de uma politiqueirice profissional e tachenta, onde há mais actores do que autores, esses autómatos do Estado-Espectáculo que vão mudando o discurso conforme os guionistas que os investidores nesta papalvice contrataram.

Dói, sobretudo, sentir como a nossa comunicação cultural e a nossa universidade foram assaltadas por esses intelectuais tradutores em calão de vulgatas exógenas, que o nosso provincianismo mental continua a saudar como as maravilhas fatais da nossa idade. Daí que a universidade seja feita à imagem e semelhança desta classe fechada, onde a chamada autonomia foi usurpada pela federação situacionista dos amigalhaços da rede instalada.

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Aliás, quando falamos em reitores ou em conselhos directivos eleitos não reparamos como, muitas vezes, as ditas eleições não são "free and fair", conforme os textos onusianos. Porque não obedecem ao ritmo do efectivo sufrágio universal e directo, mas aos jogos de salão e corredor dos colégios eleitorais, acabam por transformar-se em co-optações fabricadas pelos que manipulam o dinheiro dos contribuintes.

Conheço algumas escolas superiores onde há uma esmagadora maioria de professores convidados e não de carreira, onde os assistentes e monitores directamente dependentes dos presidentes e vice-presidentes dos conselhos directivos, pedagógicos e científicos atingem o nível dos 80% dos colégiosa eleitorais, garantindo sucessivas reeleições daquilo que é efectivamente uma nomeação vitalícia. E, nalgumas delas, ainda vigora o regime desses presidencialismos terceiro-mundistas, dado que os donos do poder até ousam nomear os sucessores, para garantirem que permanecem em cursos de pós-graduação ou que usurparão os modelos de avaliação e controlo, onde esperam continuar até aos noventa anos... Por acaso também conheço dezenas de jovens doutorados em boas escolas mundiais que continuam a ter ilusões quanto à existência de avaliação do mérito neste país feudalizado pela tradição salazarenta e bolorenta, não percebendo que tudo isto funciona por convite, castificação, cunha e persiganga e sem qualquer honra feudal.