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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.1.05

Somos o sinal do que há-de ser, as mãos livres que hão-de vencer



Esses ex-"ministros do reino por vontade estranha" que por aí continuam a pensar que somos desgovernados, persistem em suas acções de supremos teóricos de sopeiras intelectuais, adjuntos ministeriais e candidatos a lugares de serviços de espionagem, mas que acabam patrões de empresas municipais de lixo e estacionamento.

Por mim, que tenho sido sucessivamente vítima dessas vérmicas vindictas, com efeitos visíveis em todos segmentos hierárquicos onde os mesmos manobram, desde as zonas do Estado que ainda estão sob a suas directas tutelas, às que dependem dos ministros que inspiram, dos reitores que controlam e dos amiguinhos de vigésima quinta hora que lhes requerem as falsas amizades para os poderem substituir, quero, aqui, declarar que se os voltar a ver, mesmo a meio metro de distância, nem que seja num corredor da morte, voltarei a não os conhecer e a nãos os olhar do pequeno alto da minha pobre coerência, para eles terem de desviar a sua rica perspectiva para o sítio onde costumam cair os dejectos que os sustentam.



Essas ilustres misturas do Cristóvão de Moura, na caça ao cargo, com o Miguel de Vasconcelos, na pesca da notabilidade teórica, pelo cheque recebido em cada artiguelho publicado, com boa tradução das compinchas que lhes aparavam as angústias de impotentes e encomenda da "pay list", revela como nosso Portugalório continua a ser vítima desta invasão sem dor chamada cobardia, assente na traição, na quebra da honra e na venda da inteligência.

Por mim, um dos membros do clube do que desdenhosamente chamam poetas mortos, dos ditos mal-amados, a quem seria óptimo organizar um "in memoriam", quero declarar que, mesmo que seja sujeito ao inevitável processo inquisitorial que marcou os meus antepassados culturais, tenho, nos directos ascendentes, a razão que me leva a estar disponível para passar imediatamente às barricadas, quando sentir que as garras do autoritarismo ameaçam cravar-se no dorso dos aparelhos de Estado. Alguns dos meus avoengos sofreram nas masmorras salazaristas durante anos, por denúncia do senhor regedor da paróquia que, clamando pela GNR da cidade, chamou revolta comunista a uma justa movimentação de camponeses. E, muito justamente, um desses meus exemplos de vida terá dado, em legítima defesa, uma enxadada no pobre cabo da polícia que o ameaçava com a espingarda.

Eu sei que Mateus Álvares não vai vencer e que ele até é, conscientemente, um falso D. Sebastião. Também sei que somos apenas oitocentos guerrilheiros encurralados nas falésias de São Julião. Até reconheço que os nossos discursos terão o destino que levou à inevitável derrota do Manuelinho de Évora. A rede estadual-fradesca do invasor e a magnífica pleiâde dos colaboracionistas, aquilo que vossas premiáveis comendas chamam a "bela ordem", já comanda todos os interstícios do formidável vazio de poder gerado pelas muitas homílias hipócritas e pelas imensas sacristias controladas pela prebenda. Mas também sei que somos o sinal do que há-de ser, as mãos livres que, um dia, hão-de vencer e retomar a lusitana antiga liberdade.



Há frades livres que vão escrevendo novas e apócrifas actas das Cortes de Lamego, por mais que os hutus organizem os planos de genocídio contra os tutsis, com os doces e higiénicos subsídios das internacionais sentadas em Estrasburgo ou Bruxelas, as tais que aqui vêm retratar o nosso progresso turístico, visando transformar-nos em reserva ecológica mundial, esquecendo que há portugueses que querem ser independentes, que querem a efectiva continuidade da independência política de há oitocentos e tal anos e não apenas o reconhecimento e inventário das ONGs que registam selvagens e primitivos actuais.

Vossas mãos papudas pelos tais salamaleques contorcionistas, podem ser finas e abençoadas, cristãs e democráticas, democristãs e democretinas. Elas podem ainda guardar algumas das pingas tombadas das galhetas e muitos restos de incenso e velas de cera, mas não têm a altura da benção nem a fluidez alada das ascensões. Estão poluídas pela água choca das falsas pias de água que já não é benta e o tlim tlim de vossos anéis e pulseirinhas são mais astral de macumba do que ânsia de divino.

Mesmo a pretensa racionalidade de vossos discursos enlatados é o mais desse mesmo, silogístico e cadavérico, recheado citacionalmente pelas más traduções de revistas a que agora todos podem aceder na Internet. Já cheiram ao bafio de um tempo em que mandava quem estava apenas lá em cima, desses que, para serem ministros, tinham que se fingir heróis galifões nas recepções do "jet set", prometendo noivar as fealdades deserdadas do prazer da felicidade. Agora, há povo e, cada vez mais, intelectuais livres. Talvez ainda possamos evitar a derrota das Cortes de Tomar. Viva Febo Moniz.