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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

23.3.05

Comunicações policiais, armas em más mãos e avaliações universitárias



Começam a surgir notícias nos jornais, especialmente neste dia internacional do "manda-chuva". Diz o jornal "Público" que o ex-ministro da Administração Interna, Daniel Sanches, assinou um despacho conjunto com o responsável pela pasta das Finanças, Bagão Félix, três dias após as eleições legislativas, adjudicando um sistema de comunicações, no valor de mais de 500 milhões de euros, a um consórcio liderado pela Sociedade Lusa de Negócios (SLN), uma holding para a qual o próprio Daniel Sanches trabalhou, antes de integrar o Governo de Santana Lopes. Mais: Manuel Dias Loureiro, deputado do PSD e presidente da mesa do congresso, também está ligado a este grupo como administrador não executivo. O ex-secretário de Estado dos Assuntos Fiscais de Cavaco Silva, Oliveira e Costa é o presidente da SLN. Amen!

Já no "Correio da Manhã" pode ler-se que em princípios de 2001, a Polícia Judiciária Militar detectou movimentações no nosso país de um poderoso grupo internacional de tráfico de armamento. “Tinham todo o tipo de armas de guerra, algumas que nem existiam em Portugal”, disse o coronel Alcino Roque, o homem que coordenou as investigações. Já em 2003, um relatório secreto do Serviço de Informações de Segurança (SIS) avisava o Governo para o preocupante número de armas ilegais no País: “(..) pela sua expressão e perigosidade está a colocar em risco a segurança interna (..)”, lê-se no documento enviado ao então primeiro-ministro, Durão Barroso. O SIS apontava o tráfico de armas como um “negócio crescente em Portugal”. Aleluia!



É, portanto, natural que depois da casa roubada se metam trancas na porta. Como um artigo subscrito por Adriano Duarte Rodrigues, António Marques e João Saágua, no jornal "Público", onde pode ler-se sobre a avaliação do ensino superior: "Infelizmente, existe um aspecto diferenciador de ambas que introduz na avaliação das licenciaturas um elemento de suspeição que pode atingir proporções intoleráveis, o processo de formação da comissão de avaliação externa: cada instituição designa um representante para integrar uma comissão consultiva temática; o papel desta comissão, onde todas as instituições interessadas estão representadas, é verdadeiramente extraordinário: "apresentar sugestões de nomes, (...) personalidades de reconhecido mérito, em princípio professores catedráticos de outras instituições que não as próprias", "devem igualmente ser indicados nomes de peritos estrangeiros e de individualidades portuguesas exteriores ao mundo académico"; da lista dos nomes sugeridos, a fundação escolhe o presidente da comissão de avaliação; uma vez indigitado, o presidente tem uma ampla margem de manobra para introduzir outros nomes e excluir os que entender".

"Este processo permite que várias instituições de má qualidade se unam contra instituições de elevada qualidade, para defender interesses particulares e convida a alianças de conveniência entre determinados cursos em função da concorrência. Basta que os representantes das instituições combinem entre si votar o nome de alguém que, uma vez designado presidente da comissão, constitua um "grupo de amigos". ...Missa est!

PS: Bem me apetecia contar algumas histórias avaliativas quanto a personalidades de reconhecido mérito. Onde tudo depende do que se entende por mérito e, sobretudo, de quem, como e quando o reconhece. Porque se mérito é o mesmo do que merecimento, ele pode não ser o mesmo do que excelência, talento ou aptidão, mas mera qualidade que torna alguém digno de prémio ou castigo, isto é, de cenoura ou de chicote, quando um qualquer meritíssimo, desde que seja emérito, julga das questões fundamentais, de facto e de direito, que constituem o objecto da lide. Um desses meretíssimos e excelentíssimos eméritos, por acaso o primaz dos ditos cujos, misturando o júbilo das alturas decretinas com a ocasião do jubileu destes transicionólogos governos, usou suas trombetas avaliólogas para castigar os incréus que não citam os respectivos livros únicos e para, muito ornitologicamente, premiar os fiéis, com mérito noutras artes, mas não na avaliação causífera, contra a qual está a respectiva natureza (seria interessante que, previamente, publicassem os "curricula" nas áreas avaliadas dos próprios avaliadores...). Aliás, as avaliativas tarefas sempre dispensam do serviço e são adequadamente compensadas, muito especialmente se se estiver à vista de costa de novo jubileu ou se se aproximar a borrasca de uma mudança partidocrática! Introibo ad altarem Dei....