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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.3.05

Direita, seca, presidente do Supremo e despolitização do Estado



A campanha para a regeneração espiritual da direita portuguesa começou ontem à noite com duas copiosas jantaradas levadas a cabo por Mendes e Menezes, com ambos a agitarem como bandeiras duas propostas anteriormente apresentadas por Manuel Monteiro, quanto à necessidade de se referendar a Constituição Europeia e de extinção do Tribunal Constitucional, enquanto o extremismo cavaquista de Ferreira Leite continua a usar a futebolística gestão do "black out", a que os mais profundos pensadores chamam "tabu".

Não tardará que os solos calcinados da nossa terra sejam humedecidos pelas lágrimas de crocodilo da politiqueirice, dado que os científicos avisos sobre os incêndios de Verão continuam a não ser suficientemente amedrontadores para aqueles que fazem da profissão a prostituição da palavra pelo fala-baratismo dos discursos que põem a chorar as pedras da calçada, enquanto o povo automobilístico vai pagando mais um pequeno imposto para se sustentarem as promessas feitas por um ministro a uma só empresa que ameaçou largar o país.



Já o recém-eleito presidente do STJ, depois de denunciar os advogados, os juízes e os governos quanto às demoras na justiça, onde uns não nomeiam mais juízes, outros não ajuízam rápido e os primeiros empatam e complicam os processos, acaba por não denunciar quem deve. A culpa está acima de tudo nesta elefantíase legislativa que permite aos operadores fazerem fraudes à justiça em nome da lei, face à manta de retalhos em que se transformou o chamado ordenamento jurídico.

Julgo que um qualquer José Alberto dos Reis chamado por um qualquer Manuel Rodrigues permitiria que a democracia fosse superior à Ditadura em matérias de técnica judiciária. Com um pedacinho de competência e muito de sentido de missão, seria útil cumprirmos a penitência necessária a quem elevou Cardonas e Laborinhos à categoria ministerial. As corporações e os sindicatos devem ser postos nos seus devidos lugares de meras sociedades imperfeitas que não podem ser especialistas nos assuntos do todo, coisa que apenas cabe à sociedade política, através daquilo a que chamamos Estado.

Quando os principais representantes dos corpos especiais em que vamos despedaçando a unidade da república, mal-habituados ao mediático, continuam a cair na rasteira do falso populismo, é de temer que cresça este enrodilhar de discursos e de promessas, para que novas frustrações gerem ainda mais revoltas, que não serão cerceadas se se mantiver o mero malabarismo vocabular, ou conceitual, com que continuamos a encanar a perna à rã.



Porque a crescente despolitização do Estado tanto não levou a menos Estado como também não produziu um melhor Estado, dado que fez com que as gorduras neocorporativas crescessem em adiposidades dilatórias, ao mesmo tempo que foram inchando o peito de ar os monstros da corrupção, os quais só podem ser debelados por aquela energia que dimana da confiança pública, coisa que nunca acontecerá se continuar a grassar o indiferentismo, o cansaço e o desencanto.

A única boa nova foi a excelente entrevista de um homem crente e de um homem culto, chamado D. Manuel Clemente à Judite de Sousa. Afinal, sempre temos bispos sem cardinalices marotas e sem o equilibrismo do politiquês/bispês. Aprendi muito. Até em tolerância. Com esta Igreja, com este papista, o equilíbrio do humanismo cristão até cura a alma de panteístas como o subscritor destas linhas, porque fica um rasto de paz entre os homens de boa vontade e o necessário espaço de diálogo pelos lugares comuns do humanismo.