a Sobre o tempo que passa: A ideia no seu talhe. De M. Teresa Bracinha Vieira

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

17.4.05

A ideia no seu talhe. De M. Teresa Bracinha Vieira



A simetria de posturas comportamentais que encaixam como uma luva de cirurgião nas mãos dos que tratam a democracia ao jeito de uma desnorteada superliga, é a ferramenta que, sem dúvida, melhor manipula com sucesso esta coevolução de ausência de liberdade e de valores, conduzindo-nos à trágica situação do dever alertar para um estado não adaptativo desta realidade.

Como é sabido, Hartmann, dividiu os seres reais em várias “espécies”. Uma destas “espécies” é a que corresponde aos seres que se localizam, ocupando um determinado espaço e só por essa razão. Acresce que à ocupação desgarrada de um espaço - e é sempre um espaço de poder - , também se encontra associado um estado de violência permanente, uma realidade de domínio de alguém sobe outrem. Contudo, para espanto nosso, ainda se não reabilitou o instituto da defenestração, para que se possa dar um contributo a esta democracia que de tão coxa e poluída, desconhece a estrutura humana, cultural e histórica, todas inseridas na vida de cada ser.

Vive-se, admitindo que as bombas atómicas de bolso de cada um destes ditos seres, que só ocupam espaços e espaços não sufragados, podem destruir o núcleo-suma-cultura que constitui o cerne do viver de cada ser, que só o é, enquanto ser pensante.



Como dizia Teixeira de Pascoaes, nós somos um edifício construído por dentro com todas as estrelas.

O encurtamento da maturidade e o não incremento dos valores culturais que vêm sendo impostos, em muito serviram de valência a quem sobrepõe como um valor a premiar, os comportamentos estereotipados de subjugação, em benefício dos que no quadro social, se não propagam sequer, por via genética. Seria mesmo ofensivo apelidá-los de ratos, já que a estes, lhes acode o estímulo-sinal morfo-comportamental não ambíguo.

A relação progenitor/cria, no seio desta malhada democracia, desenvolve-se aparentemente em vínculo tranversal, mas tão só aparentemente, já que na teia matreira e gigantesca que se criou, apenas se funciona ao ritmo de um semáforo, primeira vinculação ao recém-nascido adepto da tal superliga de um certo poder que, tudo pode em impunidade, englobando-se ainda os fenómenos de adopção a pedido de adultos candidatos a crias.

Vende-se com sucesso a ideia de que a única liberdade que o homem pode ter é a de cumprir o dever de subjugação.

Assume-se com razoável passividade, a ascensão do homem à condição de mercadoria.

Vai-se aceitando que a liberdade deverá ser vivida como algo que impede o homem de sobrepor-se às circunstâncias.

Qualquer distracção no rigor da força cega, exercida sobre um indivíduo, representa colocar em causa todo este potente nada que comanda a vida de cada um.

Voltamos a apelar para que o homem seja soberano sobre a sua própria mente, que se recuse a um mero "status negativus", que não permita a empobrecida perspectiva de um suposto direito que lhe retire em liberdade a prossecução dos seus objectivos, nomeadamente aqueles que lhe atribuem a faculdade de resistir à vontade discricionária, de quem interpreta a democracia como a superliga dos desportos em livre arbítrio.



Recorde-se sempre que a ideia no seu talhe, nunca foi padronizada. E que baste!, ao que está em jogo.



Belo é o bando das aves que guarda a árvore
Sem temor
Por cada pena as aves cantam mil melodias
E as planuras do céu recebem frutos maduros.

Irlandês
Autor desconhecido
(Final do século X)



M. Teresa Bracinha Vieira