Os raios de Santa Bárbara que ainda os não partiram
Um português sistémico e bem informado, esse que se situa na zona beneficiada do centrão social, que sempre soube colocar-se a jeito, no esquema da subsidiodependência, acostumado a elogiar Soares e a ouvir Marcelo ao domingo, sente-se perfeitamente retratado na ligeireza e desenvoltura verbais dos sócrates e dos mendes, enquanto, muito panglossianamente, vai confirmando que um quarto de hora antes de morrer ainda está vivo. Hoje, ele acordou particularmente satisfeito, porque pensou que estão garantidas todas as condições para que se perpetue este magnífico regime que, depois de quarenta anos de salazarismo e dez de cavaquismo, gerou esse híbrido camaleónico simbolizado no soarismo equilibrista, essa moluscular criatura da equidistância que permite a adequada reprodução das larvas adesivas e viracasacas, onde o verniz do temor reverencial recobre a falta de espinha dos devoristas, onde tem sempre razão quem vence.
Aliás, tanto D. José Policarpo pode chegar a papa, como o "sim" é capaz de vencer o referendo francês sobre a constituição europeia, especialmente depois dos astérix ouvirem os magníficos e comicieiros discursos que Jorge Sampaio irá fazer na Assembleia Nacional e numa Universidade gaulesas, tomando atitude idêntica à do então embaixador António Monteiro, que foi a comícios de apoio a Chirac, por ordem de Barroso, para que Chirac, depois, apoiasse o Zé Manel como presidente da comissão da UE. É por isso que, perante tão doutos e avisados equilibrismos, onde a emoção, contida pela racionalidade, acaba por levar à liderança esses mais inteligentes de média onze que nos comandam, eu sinto que sou de outro planeta e continuo, com emoção racional-normativa e racionalidade axiológica, no exílio interno, assim fora do tempo, dando bicadas no tempo que passa e já não podendo ser produtor de azeite em Vale de Lobos.
Veja-se esse sapientíssimo processo que tão tecnocraticamente seguimos, quando, ao vivermos a pior crise de seca dos últimos trezentos anos, conseguimos, graças à CEE e à UE, ao cavaquismo e ao soarismo, ao socratismo e ao mendismo, resolver a multissecular crise da nossa agricultura, ao transformarmos os agricultores numa espécie em vias de extinção, ao mesmo tempo que criámos uma rede de uma quase centena de escolas superiores de agricultura, pecuária, jardinagem, caça, pesca, combate a incêndios ou silvicultura.
Melhor do que isso: graças aos magníficos especialistas em reformas e modernizações do Estado e do xistema pulhítico, até conseguimos que, para cada cinco agricultores, os contribuintes tivessem que sustentar um funcionário do Ministério da Agricultura, demonstrando as excelências do discurso sobre a Europa, a globalização e os raios de Santa Bárbara que ainda os não partiram. O que nos vale é a circunstância de, no futuro pacto de regime entre as Novas Fronteiras e a Velha Guarda, se ter esboçado um choque de imaginação que vai recrutar todos os agricultores, professores de agricultura e funcionários do Ministério da Agricultura para uma espécie de Museu de Agricultura da Europa, com sede em Cascos de Rolha, diante do Guincho, e instalações de extensão assentes nessa magnífica rede de lojas chinesas dos trezentos, expropriadas com base nas cláusulas de salvaguarda da Constituição Europeia. Porque sempre há o turismo rural, as casas de férias para europeus aposentados ou drogados, a possibilidade de um raly de Portugal para desportos radicais, os campos de golfe, a caça à borboleta e os estudos antropológicos sobre os primitivos actuais, mesmo a nível da partidocracia. E ainda Cristo não desceu à terra!
<< Home