a Sobre o tempo que passa: Ter, ser, direita, esquerda, razão e emoção, em delírio de "secunda feria", depois do dia do Senhor

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

18.4.05

Ter, ser, direita, esquerda, razão e emoção, em delírio de "secunda feria", depois do dia do Senhor



Muitas são as substanciais diferenças entre o ter e o ser, tal como as separam o ser do próprio estar, o pensar do viver, a razão da emoção e o preto do branco. Como cientificamente não há raças, desde que se descobriu, pela experiência, que os amarelos são mais brancos do que os pretensos brancos, os mesmos que chamaram, aos morenos, peles-vermelhas, somos todos mestiços, embora não necessariamente cinzentos. Eis o drama de todos os que fazem interpretações dogmáticas e inquisitoriais sobre o augustinianismo, o do Aurelius Augustinus, a tal distinção entre a cidade de Deus e a cidade do Diabo, as duas que, na terra dos homens, se confundem, por falta de adequados planos directores e subsídios do programa Polis. Porque, aqui e agora, não há um lugar que seja monopolizador do bem e um sítio para onde se atire todo mal dos preconceitos e fantasmas, dado que o bem está cheios de muitos males e, no reino do mal, há imensos pedações de bem.

Ora, quando politiqueiramente, com muita pulhítica, se proclama que quem está à direita é um ser de direita, pode ser que a direita e a esquerda sejam posições relativas que, começando na sala rectangular dos estados gerais franceses, acabaram no semi-círculo de São Bento, depois de um reunião prévia de distribuição topográfica, marcada pelo ritmo mental dos nossos líderes parlamentares, todos diferentes, todos iguais. Daí que, nesta terra de mestiços, onde todos somos saloios, mesmo quando nos disfarçamos de loiros, muitos ainda pensem que os moçárabes são mouros do tipo cristão-novo, quando eles são os velhos-crentes paleocristãos, descendentes dos que já cá estavam antes de chegarem os romanos.



Os descendentes de tais primitivos habitantes deste jardim ocidental da terra dos coelhos, principalmente os que continuam a resistir na banda mais entrada no mar dessa península a que os fenícios deram o nome de nariz e que, dos promontórios, fizeram pedras sagradas, só são esotéricos para os que não reparam nas evidências exotéricas dos livros escritos pela vida. Da vida entendida como um dever-ser que é, onde devemos vivê-la como a pensamos, sem pensarmos muito como depois disso a vamos viver.

E tudo de acordo com aqueles clássicos princípios que descobriram a existência de uma racionalidade axiológica, uns séculos antes do professor António Damásio comunicar ao "Expresso" que Descartes tinha morrido. Porque, um tal Pascal ou um tal Baruch, que, sendo oriundo da Vidigueira, era Bento e Espinosa antes de também ser Spinoza, acabaram por gerar a heterodoxia de um tal Rousseau, seguidor da lei da experimentação de um tal Pêro Vaz de Caminha. E nestas meias palavras, continuo a considerar que digo tudo, dado que, entre o preto e o branco, há interessantes cinzentos que podem ser vistos de azul e branco, desde que encaremos as coisas com a seriedade lúdica dos que vão brincando com coisas sérias. De outro modo, seria tudo uma grande chatice.