Entre os eternos nabos e os inevitáveis refugiados, com mais impostos e discursos da tanga
Tempo de acordar de madrugada, saudando a estrela do pastor e olhando inteiro o sol do Sul que vai subindo para nos dar as cores de Lisboa... Dia de um começo de dia passeado à beira deste rio que passa na minha aldeia. Dia de sentir uma cidade que vai sendo estremunhada pelo lento movimento de um povo anónimo que não ouviu as últimas notícias da noite, que não sabe o que significa ACNUR, nem quem inventou a expressão "picareta falante" para qualificar o nosso mais do que global Guterres, agora especialista em resolver um problema do Sul que se sente particularmente no Sul. Um povo anónimo que, dentro de meses, vai sentir no coiro o desvario das finanças públicas, onde, de costume, volta a pagar quem não devia.
"Vamos cumprir o nosso programa eleitoral com uma excepção: o aumento dos impostos", declarou José Sócrates aos dirigentes socialistas, de acordo com fonte da direcção do partido, embora sem especificar que impostos serão aumentados. Talvez por isso é que a assembleia-geral da Galp Energia aprovou o novo conselho de administração da companhia, presidido por Francisco Murteira Nabo e que integra ainda o antigo presidente da Câmara do Porto, Fernando Gomes. E o povo estremunhado também não sabe o que é que a SONAP tem a ver com os espanhóis da Iberdrola, o que é que os espanhóis têm a ver com Pina Moura, o que estão por cá a fazer os italianos da ENI ou a razão que levou o novo poder socialista a substituir João Morais Leitão por Pedro Rebelo de Sousa. Até também não sabe se Cavaco Silva terá nomeado um qualquer assessor para um qualquer destes tachos doirados do regime. Ou, como se pode ler em "O Independente": José Sócrates anuncia hoje o aumento da taxa do IVA e de outros impostos indirectos sobre os combustíveis, o tabaco e o álcool. Entre as medidas de combate ao défice, está a subida da idade de reforma dos funcionários públicos para os 65 anos, sem excepções. Vale-nos que sempre há líderes que no Sul querem ser o Norte, potenciando os 855 votos que deram a vitória a Pedro Santana Lopes, enquanto no Norte estão a Sul, fiéis ao franciscano espírito de Assis, ao mesmo tempo que, navegando intelectualmente no Centro, estão pelo "Não" contra o "Sim" de Vitorino, de forma inversamente proporcional, isto é, contra tudo o que de pior nos trouxe a III República e os seus meandros da barganha. O patego apenas pode olhar o balão...
O povo estremunhado não sabe descodificar aquela nova, segundo a qual "o Conselho Superior da Ordem dos Advogados decidiu instaurar um processo disciplinar ao antigo bastonário José Miguel Júdice". E talvez não repare que Sampaio dá os últimos passos presidenciais, pelo que alguns amigos até dizem: só, de facto, Sampaio para dizer coisas com este alcance... Lembra-me um outro, de há muito tempo, que se dizia almirante - mas esse ninguém tinha culpa pois o "eleitor" dele era outro - e que dizia também coisas profundas como, ao visitar uma cidade, "esta é a primeira vez que cá venho, desde a última que cá estive...". Ainda bem que temos uns sampaios para nos ajudar a superar angústias e problemas com esclarecimentos deste calibre... Talvez a cultura cigana diga que isto é a nossa sina... Eu pergunto: quando é que mudamos de fado? Os nabos não são nabiças nem precisam de requisição para obterem o estatuto de refugiados.
O povo, que ainda não acordou de um sono de autoritarismos manipuladores, também ainda não reparou que, se acabaram os sinais exteriores da repressão, manteve-se, no interior das consciências e das boas intenções, o tal subsistema de medo e de compra do poder que nos vem da inquisição, do devorismo, do salazarentismo e do gonçalvismo-cunhalista. Repara, sobretudo, que, com tangas, rinocerontes e traseiros da alimária, continua vigente o oportunismo do chamado realismo político, dos que tiram os Ferreira do Amaral I, III e V, para porem os Ferreira do Amaral II, IV e VI, mesmo que sejam Gomes, mas mantendo-se a folha de pagamentos para os antigos assessores dos governamentalismos, para a corte de avençados que os mesmos sustentam e para a rede dos cunhados que os mesmos mantêm. Porque o regime do poder pelo poder permanece incólume, de acordo com a velha manha do enquanto o pau vai e vem folgam as costas, entre o discurso da tanga e o discurso da obsessão pelo défice, onde o funcionário público e o trabalhador por conta de outrem são sempre os que estão às mãos do ir ao bolso, sem semear. Porque, de facto, não há vida para além do Orçamento, especialmente quando Cavaco continua a ser a alternativa desta encruzilhada, onde os alegres não fazem a primavera.
Bem apetecia poder sulcar o tempo que há-de ser, para encontrar novos sinais de sorrir, olhar o mar, olhar o céu, navegar num rio que me desse o mar por encontrar e assim voltar a ser mais inteiro, mais simples, mais diante de quem sou, deste sermos finitos que, por isso mesmo, nos obriga à descoberta do infinito. Para sair daqui.
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