Meditações retroactivas sobre Aljubarrota, o patriotismo e as blogozarras, em dia de senhora da ascensão
Numa rua qualquer desta cidade antiga, com o sol doirando a sombra dos plátanos e reflectindo-se suavemente nas vidraças da casa em frente, é nele que vou buscar a luz que preciso para reflectir por escrito alguns pedaços de quem sou, aqui sentado neste escrever-me, rescrever-me e repensar-me sem a angústia típica da frustração. Que ontem, salgadamente, voltei a ser gaivota peregrina que se assenhoreia de um qualquer ilhéu abandonado, onde, de velas pandas, me naveguei, sustendo as cordas que me livraram de sofrer um golpe da retranca. Porque fui de mar em mar, dentro de mim, consegui olhar de frente as sombras da memória proibida, passando para a outra margem, mas sem sair de mim. Que apeteceu, à noite, sorver o frio da maresia, quando a viagem me fez regresso ao lar.
E quem sou pôde sorver as vagas do que há-de ser e assim consegui contar e recontar histórias da minha infância, desde os professores primários todos que me deram a cultura que ainda hoje tenho, aos padres de Santa Justa, a minha igreja, que não deixei de ter, desde o padre Paulo que jogava bem à bola, ao padre Hilário que era italiano e grande. E me vieram sabores de pedra e talha dourada, galhetas com vinho de missa e o cheiro queimado do turíbulo e o som da missa em latim e o pequeno-almoço em casa dos padres, com grandes canecas de café com leite e torradas de pão de mistura, que custava dezassete tostões. Sabe tão bem contar-te e recordar-me, das histórias de uma infância em que fui feliz e me fez menino para toda a vida. Mais os passeios que dava com meu pai, para vermos futebol no campo da Arregaça e nadarmos no choupal, ou das conversas que tinha ao borralho da minha avó, ou dos brinquedos que eram rolos de madeira dos velhos mata-borrões, os meus “tutus” que era o nome que lhes dava. E na memória cabem as boas lembranças da oficina de escovas de meu avô, com o Ezequiel, sempre emborrachado, mas bom filho de sua mãe, ao Serafim, com tarocas de madeira e coiro, bem circunspecto e cumpridor, que tinha de educar a filha.
Estou assim a escrever, para fingir que tenho de escrever, que tenho alguma coisa para dizer aos outros ou a mim mesmo, num dia em que devia estar a comemorar a batalha de Aljubarrota se o mesmo não fosse dia oficial da Infantaria e de um programa choradinho sobre o tema de José Hermano Saraiva. Só que fico sempre com raiva quando o Estado e a RTP usurpam a nação, com muitas fardas, clarins, desfiles militares e oficiais discursos, para ministro ou presidente, antes de se condecorarem os Iutu lá da Irlanda, que entraram no palácio de chapéu de palha, pondo-nos todos, de chéché marreca em bom inglês apátrida, a clamar pelos direitos do homem, com mais “royalties” ao fim do dia. Dano-me quando os enfastios da burocracia metem a pata por cima da povo, ou quando o patriotismo espectacular me obriga a pôr bandeiras à janela, para as mesmas debotarem. Por isso, dizer qualquer coisa de patrioticamente profundo chateia à brava.
Até porque se fôssemos patriotas, hoje, ainda voltaríamos a ser alcunhados de miguelistas e de fascistas, que é coisa que só podem dizer os génios que têm blogue para não deixarem de ter blogue, a quem convém dizer que têm blogue, para ninguém poder dizer que só tinham blogue para se passarem acima e além dos blogues, mas continuando a reinar na blogazarra. Porque no Portublogal, onde surfam alimárias do parece bem para as tias, é politicamente correcto parecer politicamente incorrecto, como os correctos inquisidores dominantes dizem que se deve ser correctamente incorrecto, a fim de podermos ser correctamente citados pelos colegas dos jornais que nos pagam para neles nos escrevermos. E assim nos esquizofrenamos todos, juntamente com outros vómitos do mesmo jaez, sem os quais o país poderia não ser tão divertido, mas era, de certeza, bem menos poluído.
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