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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

12.8.05

Neste regime de pequenos feudalismos e teorias da conspiração...



Neste regime de pequenos feudalismos em que se enreda o oportunismo lusitano, o longo prazo do combate por ideias nunca conseguirá ter qualquer espaço de comunicação com o frenesim do mediático. Basta notar como foram sendo fabricadas as potenciais candidaturas presidenciais, com décadas de investimento no controlo da imagem e de manipulação das angústias dos intelectuários, não faltando sequer o choradinho dos elogios dos articulistas e colunáveis. Um deles, que agora anuncia negociações com Louçã, fá-lo depois de ter metido num chinelo de prebendas marechais de direita como Diogo Freitas do Amaral e Adriano Moreira, ávidos de presença nos "mass media" e em complementos à reforma ou ao vencimento, vindos de instituições públicas ou publicamente subsidiadas. Os candidatos com mais sucesso, silenciando irreverentes, souberam criar uma espécie de sociedade de Corte, tecendo uma rede de fidelidades e simpatias, tal como ilustres gestores do presente aparelho de Estado subiram ao poder gerindo adequadamente o saco azul, vermelho, preto ou amarelo dos pareceres e avenças.



Por outras palavras, o quintal português da feira das vaidades é estreito demais tanto para a autonomia da sociedade civil como até para efectiva expressão da liberdade de pensamento. Os grandes controleiros deste pequeno "big brother" devem ser, aliás, os primeiros que se riem com os habituais invocadores da chamada teoria da conspiração. E isto porque a estreiteza do nosso espírito capitaleiro produziu uma lógica de campanário na nossa principal aldeia, a que damos o nome de Lisboa.



Mais do que a maçonaria, o Opus Dei, a hidra fascista ou as correias de transmissão do PCP, somos dominados pelo espírito de seita, pelas federações da amiguice, de colégio, de vizinhança ou de bar. Juntem dois ou três jornalistas desempregados num serão com políticos desiludidos e intelectuais frustrados e verificarão como se enumeram estórias e estórias de aventuras de pequenino quotidiano em que entram grandes figuras da república, à imagem e semelhança dos dramalhões à moda do Minho ou da Beira que afectam as recentes candidaturas autárquicas. Estar bem informado é saber com quem dorme o ministro A, o líder da oposição B, ou quando o secretário de Estado X aderiu ao grupo dos homossexuais, apesar de casadinho e pai de filhos, tal como quem é, entre os candidatos a vereadores, o líder do mesmo grupo de hábitos sexuais diferentes.



De qualquer maneira, ninguém será intelectual de sucesso se não tiver uma rede federadora que lhe permita uma adequada rampa de lançamento, recensão assegurada pelo primo do amigo a quem pagou um copo num bar do Bairro Baixo ou a necessária citação mútua do irmão em frustração. O país que permitiu a emergância de um Artur Albarran que até teve Franco Nogueira e Frank Carlucci como aliados, é o mesmo que permite a recandidatura de Avelino Ferreira Torres e Fátima Felgueiras, ou o que permite Carmona Rodrigues dizer que não ofereceu lugares em empresas municipais ao PND e ao PPM que, aliás, aparecem coligados na candidatura autárquica do Porto.