Viajando de barcoleta de costas voltadas para as autarquíadas
No dia em que é costume repararmos que política em lusitano capitaleiro e seus miméticos provincianos é beber por dentro os “inputs” das parangonas do Expresso, foi-me dado confirmar, pela experiência sentida, como todas as cidades construídas pelos portugueses universais têm o formato de pequenos sonhos desta Lisboa-porto a caminho do Sul, cujos contornos até serviram para fazer um cartaz para aquilo que era Nova Amsterdão, a fim de se angariarem habitantes para o que hoje é a Big Apple.
Senti este apelo de ode marítima, porque me foi dado velejar entre o Cais do Espanhol e a Ilha do Rato, no grande estuário do rio que banha a minha aldeia feita por cima das estacas de um cais de partida. Aliás, foi a primeira vez que me deram a sensação física de ser breve homem do leme, de segurar na madeira salgada do comando e apontar a proa para o sítio procurado, assim segurando firme a “barcoleta”, para cumprir um rumo, já confirmado por GPS, que agora as coisas se medem por satélite.
Que isto de passar garboso diante de cargueiros, paquetes, a lorcha da memória e os restos da última nau da Índia, é coisa que vale mais experimentá-lo do que apenas imaginá-lo, embora seja bem entusiasmante continuar a poder julgar que o hei-de fazer, mesmo sem que volte a ocasião de assim sentir o sol poente a abrasar Monsanto em dia de calmaria.
Porque as águas salobras do Mar da Palha me souberam à viagem de paquete com que, menino e moço, passei o Equador a caminho de Luanda, ou à atribulada volta que dei nas lanchas da Marinha entre Bissau e os Bijagós em tempo de guerra, para poder continuar a ter saudades dos cruzeiros que fiz em Cabo Verde, a bordo de um cargueiro, onde até aportei na Brava.
Apenas reconheço que estas marítimas viagens pelo mítico espaço dos sonhos portugueses puderam ser recriadas diante destes cais da Ode Marítima e do tráfego fluvial, nessa ida e volta para a outra margem, passando por cima de naus de outrora, enterradas no lodo da memória, na descoberta de canais sem baixios, a fim de desembarcar a nado na praia abandonada do ilhéu do Rato, pisando as areias finas, com muitas conchas de marisco e outras tantas alforrecas. E assim pondo os olhos no infinito senti cair a noite navegando neste rio que desagua em minha aldeia.
E assim me fui despoluindo das parangonas jornaleiras que mostram este teatrinho de fantoches das autarquíadas, onde se procura saber se a candidatável será em-prisionável, numa sucessão de miudezas e de vísceras, típicas da tristeza decadentista, onde o representante do partido dos “jobs for the boys” que, por acaso ainda é oposição em Lisboa, tratou de galgar a onda da demagogia, e acusar quem está no poder, de “clientelismo”, “negocismo” e “trapalhadas” , sitas “no limiar da corrupção”, só porque poderiam ter sido oferecidos lugares em empresas municipais a membros de pequenos partidos coligacionáveis com um grande.
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Porque, para cortarmos cerce toda a especulação, seria bem melhor que fossem publicados os nomes, os cargos e os montantes dos militantes que passaram por tais empresas nas governações municipais recentes de todas as autarquias, de Lisboa à frondosa Sintra, da dinâmica Oeiras às graníticas câmaras da foz do Douro e arredores. E fico-me pelas categorias abstractas, porque, de outro modo, até poderia descrever cenas de autarcas que me chamaram, por amizade, ao respectivo gabinete para se aconselharem sobre como poderiam livrar-se de um dos respectivos vereadores, susceptível de ser preso em flagrante delito, para não falarmos de como o comboio das inspecções ainda não apitou três vezes, não de apito futeboleiro, mas de buzina partidocrática.
Vale-nos que as longas férias de Verão prometem gastos de gasóleo e gasolina para longos passeios, nestas horas de feliz globalização com o barril de crude a atingir os 67 dólares, depois do 11 de Setembro e do 7 de Julho, com Sócrates em vésperas de regressar do safari, com Barroso activo em Bruxelas e com o nosso mais querido “pater famílias” a tentar candidatar-se para não mais chamar dinossáurio ao colega Fidel de Castro. Juro que ontem não fui de barcoleta a caminho do Bugio, mas que me apetecia mandá-los todos bugiar...
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