a Sobre o tempo que passa: Com tão luzida e significativa presença, o País está seguro de que conta com as suas forças desarmadas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.9.05

Com tão luzida e significativa presença, o País está seguro de que conta com as suas forças desarmadas



O tempo não volta para trás, mas a ingratidão e o esquecimento voltam a marcar passo...

Em plena semana da mobilidade das duas rodas, quando nos recordamos de filmes interessantes do neo-realismo do pós-guerra, leio no Sentinela Alerta que o governo proibiu. O governo autorizou. Mas o governo proibiu dentro da autorização que magnanimamente concedeu às três senhoras, como disse o senhor Ministro António Costa, porque há aqueles que podem e os que não podem integrar a manifestação convocada. Não é que não exista o direito à manifestação, mas a coesão e a disciplina no seio das Forças Armadas, estão em perigo, segundo análise dos chefes militares. Ainda não li o parecer do meu amigo catedrático de direito administrativo que sustenta a postura do ministro Luís Amado.



Ministro do antigo regime que não demitiu o catedrático, antes foi sua testemunha de defesa. Não terá sido convidado para mandatário de Mário Soares.

Entretanto, Cavaco Silva, em campanha eleitoral, vai a Vila de Rei em campanha, dizer que não quer ruído, sem criticar a ofensa às forças armadas que passou a manifestar-se na TVI com o programa 1ª Companhia, ou com as insinuações pouco militarescas do Esquadrão G da SIC. Não consta que o militar no activo que empresta a farda ao gozo tenha sido aconselhado a não brincar com os símbolos da independência nacional.



O catedrático que foi demitido por verberar um ministro, mas que, depois, teve perfil para ministro. O que o demitiu gostava de ser mandatário de Mário Soares.

Vale-nos que a RTP não convocou José Castelo Branco para comentar as palavras do actual ministro da tropa, num dito prós e contras onde quase só estavam prós, quase todos situacionistas de todos os situacionismos. Porque havia dois ex-ministros, um do outro regime e outro deste, ao lado do actual ministro e de um antigo super-chefe militar. E todos se rebelaram contra o Estado Sindical provocador do actual Estado Exíguo, em regime de partilha de soberania, num daqueles momentos de descarada propaganda que antes de o ser já o era. Até peroraram detentores de reformas douradas de públicas fundações privadas que até há pouco acumulavam com subsídios extraordinários consecidos em especiais conselhos de ministros do governo PS, por caso ministros confirmadores de decisões que demitiram colegas catedráticos, porque ousaram verberar atitudes de colegas ministros, só porque estes proibiram estudantes de exercerem o respectivo direito de manifestação, quando não havia direito a manifestações.



O filme que esta noite revi. Porque tenho saudades de chuva nestes últimos dias de Verão... Setembo vai voltar a ser feliz!

Recordo que no dia 14 de Março de 1974, segundo palavras de António Mega Ferreira, as altas patentes das Forças Armadas dirigem-se a S. Bento para testemunhar ao Presidente do Conselho a sua lealdade. No salão nobre, dezenas de oficiais apinham-se ao princípio da tarde. A Assembleia interrompe os trabalhos, ao que dizem alguns jornais da época, «curiosa e expectante» perante o movimento de oficiais em S. Bento. Cerca das quatro da tarde, o Presidente do Conselho entra na sala. Conta «O Século» do dia seguinte: «Ambiente de grande expectativa. Breves minutos de silêncio, aguardando o general Paiva Brandão, Chefe do Estado-Maior do Exército, que o prof. Marcello Caetano terminasse de passear a vista pelo quadro geral que se lhe oferecia com tão luzida e significativa presença». Depois, o Presidente do Conselho diria que, com «tão luzida e significativa presença», «o País está seguro de que conta com as Forças Armadas. E em todos os escalões destas não poderão restar dúvidas acerca da atitude dos seus comandos».



O filme que esta noite voltarei a rever. Que não tenho o DVD da Maria Medeiros e prefiro a sinfonia do centenário do Benfica.

Porque já não possíveis, tecnicamente falando, golpes de Estado, é possível compreender que continuemos o 7º país mais endividado do mundo, que tenhamos descido lugares no índice do PNUD e que estejamos na cauda da Europa quanto à luta contra a corrupção. Ainda por cima, não conseguimos levar cinco mil cães num passeio a Monsanto, ao contrário do que eu próprio fiz, com trela, saquinho de plástico e boletim de vacinas.



A autorizada manifestação que não entrou no Guiness. Fui lá e garanto que não ladraram muito.


A tarde estava linda, não havia ensaios da 1ª Companhia e não se vislumbravam candidatos ao Esquadrão G nessa colina de Monsanto. Por tudo isto, sugerimos que continuemos a usufruir das vantagens da semana europeia da mobilidade e que se volte a ver o filme de Vittorio de Sica. Grândola já não é Vila Morena, mas concelho onde se derrubaram as torres da Torralta. O homem vai voltar à Lua em 2018. E os pategos continuarão a olhar o balão.