a Sobre o tempo que passa: Homens livres de todo o país, indignai-vos! Pela declaração do estado de sítio educativo!

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.10.05

Homens livres de todo o país, indignai-vos! Pela declaração do estado de sítio educativo!



Depois de ontem jantar numa tasca do Funchal, espada preto com banana e marcujá, já hoje almocei no Cais Sodré, bacalhau à lagareiro, prato do dia, com tempo para ler o "Expresso" e esmiuçar as parangonas sobre o tabu bancário. Fiquei, contudo, estupefacto com o tal "ranking" das escolas secundárias, onde nos primeiros lugares estão colégios privados/religiosos e dois colégios públicos/militares e, nos últimos, os colégios portugueses de Angola, Moçambique e Macau, com os penúltimos a serem escolas públicas com os nomes de Oliveira Martins (o Joaquim Pedro), Egas Moniz, Eça de Queirós, Mouzinho da Silveira e Marquês de Pombal.



Se assim quero saudar e homenagear a eficácia educativa do Opus Dei, dos jesuítas e dos maristas, também ouso rir-me de todos quantos invocam a teoria da conspiração sobre a hidra maçónica. Como simples militante da religião secular da democracia e sem ser republicano, laico ou socialista, isto é, assumindo-me, até, como tradicionalista, adepto da liberdade de ensino do transcendente e liberal, sem filiação católica, protestante, judaica, islâmica ou maçónica, pergunto se haverá hipótese de um qualquer actual ou ex-ministro educativo do actual regime vir a público manifestar vergonha pela flagrante violação do princípio constitucional da igualdade de oportunidades. A não ser que consideremos que o último ministro foi Veiga Simão e que, no actual, apenas co-optámos pelos filhos e netos do dito cujo, incluindo um que Salazar chegou a convidar para tal em 1962.



Acresce que, como português, adepto da luta contra a desertificação das periferias e até do próprio regresso ao conceito medieval de povoamento, me indigno contra a circunstância de o país não litoralizado e não metropolitanizado ter a esmagadora maioria das suas escolas públicas e privadas nos últimos lugares. Como antigo aluno de escolas públicas não capitaleiras e pai de três filhos que sempre frequentaram o ensino público, isto é, vivendo como penso, sinto-me no dever de reclamar a declaração do estádio sítio do sistema público educativo.



Como liberal, não reclamo a publicização do privado ou o lançamento de medidas de efeito equivalente à persiganga, mas antes que regressemos aos sãos princípios da justiça, que sempre obrigaram a que tratássemos o desigual desigualmente, establecendo efectivas condições para a prática da igualdade de oportunidades. Como dizia Aristóteles, citado por Marx, de cada um segundo as suas possibilidades, para darmos a cada um conforme as respectivas necessidades. Mas segundo a interpretação liberal que manda corrigir o processo pela meritocracia e pela excelência.



Até eu, como professor catedrático do ensino público, nunca tive orçamento para colocar os meus filhos nos colégios privados de gente rica. Nem suficiente fidelidade católica para os inscrever com autenticidade em escolas onde, como tal, são devotamente educados em tal confissão religiosa. Apenas tive a ilusão de, na República Portuguesa, gerida por socialistas e sociais-democratas, quase todos republicanos e laicos, incluindo muitos que metem cunha para os respectivos filhos irem para colégios privados religiosos, se praticarem os sagrados princípios da igualdade humanista, cristã ou maçónica. Homens livres de todo o país, se isto não é uma conspiração, uni-vos e indignai-vos!