a Sobre o tempo que passa: O filme das presidenciais a preto e branco em regime de reumática nomenclatura

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

21.10.05

O filme das presidenciais a preto e branco em regime de reumática nomenclatura



Tenho tido uma semana agitada em participações em congressos, aulas, seminários, julgamentos e nos longos, chatos e quase inúteis conselhos científicos. Fui a Leiria, como testemunha de defesa no primeiro julgamento de um blogue, o de António Balbino Caldeira, passei pela SIC-Notícias a comentar as presidenciais e agora estou no Funchal, onde perorei sobre cidadania e subsidiariedade no Congresso das IPSS. Felizmente que o hotel tem recatado sítio para a Internet e posso teclar um bocado, comentando a teoria da pescada, isto é, o anúncio da candidatura de Cavaco, que antes de o ser já o era.

E temo que as presidenciais acabem num grande confronto entre as máquinas do PS e do PSD, onde Alegre poderá ser melhor porta-voz de Soares do que Severiano Teixeira e Francisco Louçã assumir-se como o principal aliado objectivo de Cavaco, principalmente se nos dispensarem da segunda volta. Acresce que esta dominância dos dois principais partidos do sistema demonstra, neste campo, a quase inutilidade de partidos da franja, como o PP e o BE, dado que o PCP pertence a outra galáxia do sucedâneo religioso.



Infelizmente, o CDS, órfão de Freitas, órfão de Adriano, órfão de Monteiro e órfão de Portas, fica reduzido aos restos de clãs que ainda o frequentam e continua a dar a imagem, errada, de ser uma simples coligação de tias e sacristias, enquanto o BE começa a parecer a tal moda geracional que passou de moda, numa mistura de uma "superstar" mediática com os restos aparelhísticos da UDP, mal lhe abriram as portas dos subsídios estaduais e dos assessores do "jardim das delícias democráticas", mandando para as malgas o conselho do velho Xico Martins Rodrigues, para quem um revolucionário nunca pode ser humanista. Não tardará que também entre em regime de "five o'clock tea" com ex-ministros de Salazar e de Caetano, nem que seja para decretar, pela calada do corredor, quem pode ser "think thank" da diplomacia, da magistratura, da cultura do batatal ou da luta contra a gripe das aves.



Já o PSD se mantém em regime de autoclausura reprodutiva que, funcionando segundo o modelo da pilotagem automática, até é susceptível de ter como líder de sucesso um qualquer boneco da contra-informação, num esquema bem próximo do seu irmão-inimigo do centrão, o PS, onde o jovem fenómeno que inventaram como o anti-Santana Lopes é agora o nosso PM, com uma infuncionalidade que deriva da circunstância de ter treinado a respectiva entrada noutro filme. E assim vamos sobrevivendo entre "jobs for the boys" e "boys for the jobs", nesse mais do mesmo que continua a viver à custa da mesa de um orçamento cada vez mais ratado.

As nossas costas continuam cada vez menos folgadas e o pau do fisco vai e vem com cada vez maior frequência, enquanto nos obrigam a assistir a repetições de uma RTP-Memória a preto e branco, com candidatos presidenciais tornados pontos de um texto vindo do seu próprio passado, como se a pátria tanto não tivesse presente como futuro. Porque seja quem for que ganhe, o sistema cantará sempre vitória, concluindo pela eficácia do discurso da brigada do reumático, para gáudio dos ocultos donos de um poder que se "vaseia" (sic) no indiferentismo em que se afoga a cidadania e nos sinuosos processos de troca do poder em que se deglute o financiamento da actividade política. Isto é, a nomenclatura instalada não quer transparência nem reestruturação, mantendo os tiques escleróticos que marcaram a monarquia liberal em 1891, a Primeira República em 1921 e o Estado Novo em 1958.



E por enquanto nada direi das minhas preferências quanto ao mal menor. Digo apenas que nunca gostei de tralhas nem de regressos de tralhas, mesmo que as mesmas já não cheirem a naftalina, por causa dos muitos unguentos que as libertam do bolor. O meu voto vai direitinho para um dos que estiver disposto a assumir os meus valores supremos em termos políticos, isto é, os do primado do patriótico e os do respeito pelo sagrado da religião secular da democracia. E assim direitinho até posso ir para aqueles que se dizem de esquerda.

Votarei contra aqueles grupos contra os quais me candidatei quatro vezes em listas de deputados e não me repugna repetir, em momento dramático, a mesma opção que tive quando os candidatos que se fingem de direita ofenderam os meus princípios de tradicionalismo e de liberdadeirismo. Porque, para ser quem sempre fui, não preciso de pedir certificados de bom comportamento moral e cívico a certos bobos de algumas cortes de um direitismo a quem nunca pedi ou de quem nunca recebi subsídios, prebendas ou postos de vencimento. Não entrarei em qualquer rebanho de bipolarizados e rotativos que nos queira colectivizar através de espectáculos encenados pela casta banco-burocrática saudosa do poder perdido.