a Sobre o tempo que passa: Viagem à volta do cabanquistão...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

16.10.05

Viagem à volta do cabanquistão...



Neste país de seitas, capelinhas e facções, leio os adormecentes semanários políticos de fim-de-semana, com diplomatas aos beliscões, autarcas em julgamento, arquitectos em retirada, professores em bolonhesa, sociais-democratas em estado de graça, socialistas em crise e comunistas com esperança, além de ficar a saber que os principais banqueiros se manifestam por Cavaco. Felizmente, continuo neste meu exílio interno, dado que temo pela minha tendência para aquela patuleia que não aplaude o regresso de Costa Cabral nem gosta de passar cheques em branco a Dias Loureiro e Paulo Teixeira Pinto.

Tento assim procurar a minha identidade. Reconheço-me como um adepto do capitalismo e da democracia bem liberais, citando Fernando Pessoa, para quem o Estado está acima dos cidadãos, mas o homem, acima do Estado. Estaria com o Sinédrio em 24 de Agosto de 1820. Desembarcaria no Mindelo cerca de década e meia depois, mas sempre preferiria que D. Miguel se tivesse consorciado com D. Maria II ou que o Imperador do Brasil acumulasse com o título de rei de Portugal. Isto é, sou por um regime de homens livres, por uma sociedade de indivíduos.



De facto, porque sou greco-romano demais, não sou católico, nem protestante, mas descendente em linha colateral daquela pré-modernidade renascentista, muito armilar e manuelina, ao estilo de Luís Vaz e Damião, quase primo dos heréticos e muito contaminado pelas ideias sincréticas dos judeus errantes. Sou assim mais anti-moderno do que pós-moderno, porque tenho nostalgia daquela modernidade que produziu as revoluções frustradas de ingleses e de norte-americanos que não precisaram de traduzir em calão a revolução francesa.

Daí gostar das moderações cartistas, anti-reaccionárias e gradualistas. Prefiro o homem revoltado contra o homem novo. Sou pouco dado a estadualismos, seitas, vanguardismos e legalidades revolucionárias. Sou tão frustrado como Luís da Silva Mouzinho de Albuquerque e Alexandre Herculano. Estou farto de politiquices que levem ao poder. Estaria com as incursões de Paiva Couceiro, não apoiaria Sidónio Pais e, se, para tanto tivesse idade, andaria à sacholada contra o autoritarismo salazarento, como o fizeram meus avoengos.

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