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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

22.11.05

Dos pulos do super-mário ao necessário Sancho Pança, com passagem pela física das partículas, Jean Monnet e o afro-estalinismo libertador



Imagem roubada aos pássaros

Hoje parece que há muito para comentar, neste país com cerca de 1 800 000 idosos dos quais 300 000 estão em risco de pobreza e que estragam as finanças do Serviço Nacional de Saúde e o défice da Segurança Social, apesar de termos um candidato presidencial de mais de oitenta anos que se assumiu como "um estímulo para todos os idosos", porque salvou o país da bancarrota e o quer salvar de Cavaco e de Alegre, porque nunca será um traidor, não precisa de guarda-costas e anda a pregar por várias freguesias, sem fazer qualquer presidência aberta sobre o envelhecimento activo. Contudo, para evitar qualquer censura do "Super-Mário" com citação gloriosa no "Pulo do Lobo", quero declarar que me impressiona positivamente este frenesim do nosso ex-pai da pátria, porque admiro quem tem o prazer da política como combate e como palavra viva. Se ainda não me leva o voto, já prefiro não dizer que desta água nunca beberei.



Quero apenas notar que foi ontem encerrado o ciclo de uma certa aventura da dita avaliação do ensino superior. Bastou um simples discurso do esfíngico e notabilíssimo ministro das ciências exactas e das universidades místicas, para que o mais cavaquista dos membros do presente governo socialista, atendendo ao perfil de física das partículas com que sempre geriu os respectivos silêncios, proclamasse a nova teoria da hiper-relatividade da nossa autonomia nacional.



Afinal, os ilustres primazes que nos avaliavam, em regime de transacção lobística entre escolas públicas, privadas, concordatárias e politécnicas, apesar dos muitos gastos e honrarias, têm que ceder a comissões de sábios, não estrangeiradas, mas supra-nacionais, vindas do sítio criado pelo discurso de Marshall e onde tivemos como embaixadores Pedro Roseta, Basílio Horta e Ferro Rodrigues. E tal como na história do ovo de Colombo, afinal todos estão de acordo com o furo, promovendo-se novas visitações a esta periferia lusitana, dado que as anteriores não satisfizeram, talvez por tais profes serem tão ilustres quantos os ilustres reformados, eméritos, jubiliados e aposentados que avaliavam aquilo que uma semana antes geriam.



Mais interessantes foram as declarações de fé continentalista e anti-britânica de um ilustre ex-candidato presidencial de direita, agora ministro da esquerda, dizendo que Londres se integrou na dita Europa depois dele. Talvez depois do dito ter sido vice-presidente da UEDC ou militante do PPE, cujo cartão já não ostenta. Ficámos siderados com este apelo de cruzada anti-londrina, ao melhor estilo do propagandismo do "Prá Frente" contra o "Sempre Fixe", segundo o estilo de Daniel Proença de Carvalho e João Braga e fazendo-nos recordar a respectiva partricipação em comícios do Bloco de Esquerda contra Bush e a globalização.



Os novos moinhos de vento do conhecido dramaturgo lusitano, afamado biógrafo de Viriato e Afonso Henriques, são precisamente os descendentes de D. Filipa de Lencastre e de Winston Churchill, a quem devemos a vitória contra o nazismo e de quem o inspirador da presente construção europeia, um tal Jean Monnet, sempre disse serem imprescindíveis para um conceito universal da Europa, longe dos provincianismos geométricos de certos engenheiros de conceitos que também nunca perceberam o "oui par le non" do europeísmo gaullista. Aliás, também faz parte da equipa ministerial de quem costuma escorregar na banheira das selvas africanas, um não menos ilustre secretário que reduziu o conflito angolano a uma luta do afro-estalinismo libertador contra um Hitler africano, ofendendo milhões de seres que tiveram a coragem da paz dos bravos, cedendo a um qualquer preconceito da doença infantil do doutorismo.



A pátria não tem que servir de alibi para se eliminarem patológicas dores de cotovelo presidenciais. E a democracia não nos pede serviçal obediência a venerandos ministros de pretenso estadão. Por mim, prefiro a sabedoria de um qualquer Sancho Pança que opte por seguir de burro, em vez de correr atrás de dulcineias da frustração. Por isso, continuo a dizer, sem diplomática mesura, que, nesta teatrocracia de quem ostenta o microfone do poder, há muitas ilustres tristes figuras que vão nuas de crenças, sonhos e princípios, coisa que normalmente sucede aos que, perdendo a bússola das ideias, entram em certo rodopio das cabras-cegas e não conseguem saber do necessário Norte que nos dê rota para navegarmos rumo a um qualquer porto seguro.