Republicano e monárquico, me confesso, neste sonho azul e branco
A bandeira do Reino Unido, onde começou a armilar
Ontem, sábado, da parte da tarde, fim do Congresso das associações reais em Lisboa, um debate sobre como deve ser a chefia de Estado em Portugal, moderado por Fátima Campos Ferreira, no formato do “Prós e Contras”. Do lado republicano, João Soares, Luís Nandim de Carvalho e Manuel Monteiro. Do lado monárquico, Gonçalo Ribeiro Teles, Mendo Castro Henriques e eu próprio, apesar de sangue vermelho plebeu e de nunca ter estado inscrito em nenhuma associação monárquica.
A bandeira liberal onde o azul e branco compensa a coroa fechada
Foi com grande orgulho que aceitei o convite de António Sousa Cardoso, porque assim tive oportunidade de reverenciar e publicitar a mais permanecente das minhas crenças políticas que é a metapolítica monárquica. E fi-lo na presença de Gonçalo Ribeiro Teles, o mais ilustre representante daquela geração de monárquicos oposicionistas ao Estado Novo que me levou em 1969 a participar na movimentação da lista rebelde da CEM que tanto estava contra o situacionismo da Constituição de 1933 e do respectivo autoritarismo antidemocrático, como contra a oposição socialista e comunista que, desde 1965 se pusera contra a ideia de Portugal, assumida por Paiva Couceiro e Norton de Matos e que constituía o essencial das propostas patrióticas da monarquia liberal e da primeira república.
A bandeira da Restauração, onde nos reinventámos como Estado moderno
Por isso, destaquei o magistério do Gonçalo e do falecido Henrique Barrilaro Ruas que souberam introduzir na universo da democracia do presente regime o essencial da velha tradição monárquica e até ultrapassar a velha querela de miguelistas contra pedristas, com o exemplo assumido pelos duques de Bragança. Porque essa geração de monárquicos oposicionistas ao Estado Novo, onde também se destacam o paladino Henrique Paiva Couceiro, Luís Almeida Braga, José Hipólito Raposo, Alberto Monsaraz, Francisco Vieira de Almeida, Francisco Rolão Preto ou até Afonso Lopes Vieira, a que também podemos juntar o próprio jornalista Rocha Martins, demonstraram a irreverência da lusitana antiga liberdade e do tradicional combate contra o absolutismo, mesmo quando este vestiu de progresso com o despotismo iluminado.
A bandeira manuelina, onde eu queria ir buscar a coroa aberta do reino
Comecei por salientar a ideia de Passos Manuel sobre a necessidade de cercarmos o trono com instituições republicanos, para dizer que a vantagem dos monárquicos estava na circunstância de não serem anti-republicanos, mas antes de serem, além de republicanos, monárquicos.
Porque, em primeiro lugar, colocam a pátria; em segundo, a ideia tradicional, aristotélica e tomista, da origem popular do poder político, como o demonstrámos com a eleição do rei em 1385 e 1640, e na resistência consensualista ao absolutismo, seja o da monarquia de direito divino, seja o do jacobinismo, em novo do povo absoluto. Só por conclusão somos monárquicos, defendendo a necessária invenção da instauração do poder real, como chave da abóbada do corpo político, com essa instituição de direito natural.
A memória das quinas na nossa segunda bandeira de reino medieval pré-soberanista
Primeiro, em nome da experiência. Porque também algumas das mais exemplares monarquias democráticas da Europa se instauraram depois de experiências republicanas, desde a britânica, contra o republicanismo pré-totalitário da república dita dos santos de Cromwell, às monarquias dos País Baixos e da nossa vizinha Espanha. Até porque não convém esquecer que foi a monarquia britânica que resistiu à republica hitleriana e que também eram repúblicas a chinesa de Mao ou a russa de Estaline, não esquecendo a do nosso Estado Novo salazarento.
Porque na necessária instauração monárquica não iríamos escolher uma pessoa, pedindo-lhe a personalização do poder, mas antes uma instituição, uma espécie de continuidade simbólica da pátria em figura humana, onde o rei não tem poder, mas antes autoridade, porque reina, mas não governa e reina representativamente, como expressão do povo, dos mortos, dos vivos e dos que estão para nascer. Porque todas as personalizações do poder, incluindo as dos presidentes-reis, estão sempre dependentes de um tiro assassino, de uma constipação mal-tratada ou de uma simples queda de uma cadeira.
A bandeira inicial da libertação nacional
O rei tem a vantagem de poder ser uma ideia de obra, constitucionalmente organizada que gera espontâneas manifestações de comunhão, como símbolo de uma dinastia, de uma permanecente unidade na diversidade que até pode coincidir numa família como a dos nossos duques de Bragança cujo tronco remonta ao próprio D. Afonso Henriques, sem o recurso a Borbons franceses ou a Hannover feitos Windsor.
Aliás, algum propagandismo antimonárquico que continua a disparar os odientos tiros do Buiça, de 1908, não repara que o mesmo lhes saiu pela culatra, vitimizando Sidónio em 1918, e António Granjo e Machado Santos, em 1921, para não falarmos em Humberto Delgado, em 1965. Também não repara que o fundador do conceito de ética republicana e de Estado de Direito, um tal Kant, também era monárquico, tal como o teórico da representação e da separação de poderes, Montesquieu.
Confessei que um dos meus maiores sonhos políticos era poder ser procurador do povo numas Cortes que instaurasse o poder real, não que restaurassem a monarquia, mas que a reinventassem pelo consenso popular. Mas também reconheci que estávamos em tempo de sementeira, para o médio e longo prazos, não aceitando os facilitismos dos golpes de Estado constitucional que, dentro das presentes regras do jogo, nomeadamente da dupla revisão constitucional, fizessem do rei uma espécie de sucessor de um presidente, quase à maneira do plebiscito de Luís Napoleão. Se assim fosse, nesse referendo, eu, como monárquico, até votaria pela república, como um dia disse o monárquico Fernando Pessoa.
Aliás, a banalidade demagógica de alguns dos argumentos regicidas, mesmo os que se disfarçam sob as teses presidencialistas, obrigaria alguns a ter que reconhecer como foi falso o messianismo que precedeu o 5 de Outubro de 1910, quando, apontando para o bacalhau a pataco, nunca referendou o regime e logo tratou de reduzir o colégio eleitoral, para educar o povo dos cavadores de enxada. Hoje, basta consultarmos os relatórios do PNUD, para verificarmos que a maioria dos que estão entre os dez mais dos países do mundo, em termos de índice de desenvolvimento humano são monarquias democráticas, por acaso modelos de democracia pluralista e de sociedade aberta.
Basta imaginar o que seria Portugal se em 1945 o rei D. Manuel II ainda estivesse vivo e congregasse todas as forças políticas para a restauração da monarquia, libertando Salazar para Santa Comba e a eventual chefia de um partido da democracia-cristã musculada. Só então se perceberia como seria mais feliz a existência de Portugal sob as cores azuis e brancas da liberdade, onde até a descolonização poderia significar a conciliação das independências dos actuais Palops com a pertença a uma comunidade lusófona, sob o mesmo símbolo da coroa aberta e do abraço armilar de um reino unido a que, para cumprirmos o desígnio de D. João VI, só faltaria o Brasil e a eleição de um descendente de D. Pedro IV para a tarefa.
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