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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.12.05

Quedas na neve, boys, preguiça, indignação, homossexuais e Freitas, com constituição europeia e presidenciais à mistura

José Sócrates, depois de umas longas férias no Quénia, na caça aos leões, decidiu agora uma pausa invernosa na neve helvética, onde terá sofrido uma aparatosa queda que lhe deixou o joelho empanado, ao mesmo tempo que os jornais lusitanos inventariam mais de duas dezenas de nomeações de “boys” para o sector empresarial dependente do Estado, em menos de um ano. O povo pagará naturalmente chorudas indemnizações aos substituídos, ao mesmo tempo que se anunciam aumentos de impostos sobre os combustíveis e subida das portagens, sem buzinão, apesar das anunciadas greves da função pública, com aumento de vencimentos abaixo da inflação prevista.

Consta que a verba poupada será destinada às previsíveis calamidades, assim se provando a evidente relação dos amanuenses com incêndios, cheias, terramotos e naufrágios. Assim, a falta de estímulo vai conduzir à inevitável quebra da produtividade, dado que se o patrão é ingrato, o empregado far-lhe-á o inevitável manguito, transformando a tradicional preguiça em direito à indignação, em nome da necessária insolência do homem revoltado.

Entretanto, o semanário “Expresso”, depois de medir a coisa através de científica sondagem, anuncia que há um milhão de portugueses que se assumem confidencialmente como homossexuais, não dizendo se eles conseguem viver como sentem.

Já o futuro ex-ministro Freitas, honrando a sua anterior filiação no PPE, de que foi despedido por aceitar ser ministro de um governo do PSE, confessa-se federalista dos Estados a que chegámos na Europa, mas já reconhece que o projecto constitucional dos seus camaradas federalistas perdeu a viabilidade.

Eu que, apesar de nacionalista e europeísta, também sou federalista, mas à Proudhon e não à Bismarck, mantenho a proposta do tradicionalismo anti-absolutista: o “dividir para unificar” do primeiro projecto europeu. Primeiro, federalizar dentro de cada Estado, nomeadamente pelas auto-determinações nacionais que os restos de impérios proibiram. Segundo, lançar, também intra-estadualmente, os processos regionalizadores que os jacobinismos centralistas têm boicotado. Terceiro, utilizar o princípio da subsidiariedade não apenas a caminho de Bruxelas, mas devolvendo poderes à governação de proximidade: das autarquias, das regiões e dos Estados.

Apesar de tudo, não posso deixar de observar como acabaram por ser rejeitadas todas as candidaturas presidenciais que não foram assumidas pelos partidos instalados, ou por dissidências dos mesmos. A burocratite centralista, herdada do absolutismo, com a tradicional cunha para a obtenção de uma certidão a tempo, transforma a democracia vigente num clube fechado, com reserva no direito de admissão. Só o Garcia Pereira é que, com a habitual ronha da experiência juridicista, conseguiu borrar a pintura, demonstrando como ainda há maoístas que se infiltram entre trotskistas, estalinistas, ex-estalinistas e revisionistas marxistas, bernsteinianos.