a Sobre o tempo que passa: Bartolomeu, ventos da história, golpes do reviralho, Cerejeira e terrorismo pós-abrilista

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.2.06

Bartolomeu, ventos da história, golpes do reviralho, Cerejeira e terrorismo pós-abrilista



Foi neste dia do ano de 1488 que o nosso Bartolomeu Marinheiro, depois de vencer as Tormentas, encontrou porto seguro, mas provisório, no que baptizou como Angra dos Vaqueiros, chamada de forma holandesa, desde 1601, baía de Mossel. Começava a dar-se esperança ao caminho para a armilarização da esfera, depois de tanta espera nessa procura de quem morreu tentando.



Paradoxalmente, vai ser nessa zona do mundo, onde holandeses e ingleses geraram o "apartheid" e Gandhi começou a sua resistência libertadora, que um conservadoríssimo Primeiro-Ministro, nesse mesmo dia do ano de 1960, reconheceu o tal "wind of change" que levou às frustradas autodeterminações nacionais do chamado Terceiro Mundo, admitindo a rápida descolonização das respectivas jóias da Coroa que ainda restavam. E assim se proclamou como princípio onusiano o misturarmos os conceitos europeus de Estado (de 1531, ex Maquiavel), de soberania (de 1571, ex Bodin) e de fronteiras e mapas dos Estados (de 1648, ex Paz de Vestefália).



Serão outros governos conservadores ou de direita de quase todas as metrópoles coloniais europeias que irão promover esses ventos da história da descolonização, quando as superpotências brincavam a guerras por procuração, manipuladoras do anticolonialismo e bem assentes em objectivos pragmáticos neocoloniais.




No entretanto, já depois de Dien Bien Phu, Bandung e Evian é que, em Portugal, outro seria o ciclo, incluindo o mental, dado que Salazar, que não era de direita nem de esquerda, mas do totalismo suprademocrático que não admite partes nem partidos, se deixou enredar numa série de guerras coloniais quando as guerras coloniais dos outros tinham findado, só porque achava inevitável a chegada de uma Terceira Guerra Mundial, onde as nossas bases das lajes africanas poderiam ser bem negociadas com Washington, enquanto revogava à pressa as práticas indigenatas do Acto Colonial que ele instaurara contra a tradição integracionista da monarquia liberal e da república maçónica.



Por essa e por outras é que só em Portugal, segundo a historiografia dominante, elevada a doutrina de Estado, guerra colonial rima com direita e descolonização com esquerda, esquecendo-nos até que os impérios coloniais europeus foram criações dos nacionalismos místicos dos finais do século XIX, à semelhança da III República francesa e da nossa república que teve como comissários em África gente como Norton de Matos, Brito Camacho e Álvaro de Castro, com as suas missões civilizadoras laicas, aliadas às missões eclesiásticas.



Logo, não foi por divergências coloniais que neste dia de 1927, Gastão de Sousa Dias desencadeou, no Porto, o primeiro grande golpe do reviralho contra a dita Ditadura Nacional, ainda dominada por um chamado espírito do 28 de Maio, republicaníssimo e pré-salazarento. E também não nos parece que tais missangas tenham a ver com a entronização, neste mesmo dia de 1930, de Manuel Gonçalves Cerejeira como cardeal de Lisboa. Aliás, esse intelectual e clérigo de grande fulgor até estava bem mais actualizado filosoficamente dos que os seus adversários positivistas do naturalismo haeckeliano que ainda dominavam as fileiras anticlericais do regime da Constituição de 1911.





Mas talvez tenha sido ainda por causa da guerra civil ideológica provocada pela estúpida guerra colonial portuguesa que emergiu, já contra a democracia descolonizadora de Abril e a Constituição de 1976, o grupo terrorista das FP25A que, neste dia de 1980, promoveu um acto dito de luta armada contra o Banco do Brasil. Por tudo isto, desejo paz em Portugal entre os portugueses de boa vontade, incluindo os da historiografia.