a Sobre o tempo que passa: Um país de bananas, governado por sacanas. 31 de Janeiro, 1 de Fevereiro, 5 de Outubro

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

1.2.06

Um país de bananas, governado por sacanas. 31 de Janeiro, 1 de Fevereiro, 5 de Outubro



Poderia hoje recordar a revolta radical de Martins Júnior, de 1926, a chamada revolução de Almada, sorrir-me com a multa que a menina da Emele ontem pregou na vidraça do carro do ministro Alberto Costa, assinalar a desintegração do "Columbia" do ano de 2003 ou o regresso de Khomeini à Pérsia, de 1979. Prefiro enfrentar a questão do magnicídio, desse começo dos nossos "serial killers" políticos, alguns resultantes do inverso da "personalização do poder" e daquelas contabilidades que alguns fazem sobre as constipações mal-tratadas ou sobre o terrorismo niilista, segundo o qual haverá actos de violência menos violentos do que os próprios estados de violência. Julgo que alguns republicanos que ensaiaram esta literatura de justificação sobre o regicídio, transformando o Buiça em herói, logo repararam no assassinato de Sidónio e na Noite Sangrenta. E de nada vale a literatura de justificação das várias teorias da conspiração que dão como impulso dos tiros a carbonária ou a padralhada. Os tiros terroristas saem sempre pela culatra.

O 31 de Janeiro de 1891, não passou de uma honrosa, mas ineficaz sargentada mal organizada, de tal maneira que o ministro do reino, António Cândido, foi previamente avisado da ocorrência, através de um amigo e o próprio ministério dos estrangeiros foi alertado pela via diplomática, um mês antes. Mas, desde o 31 de Janeiro todo o programa republicano é Revolução (Lopes de Oliveira). Em 1 de Fevereiro de 1908, o regicídio. Matam D. Carlos. E como dirá o republicano Raul Brandão, se o deixam viver, tinha sido um dos maiores reis da sua dinastia. Segundo o mesmo autor, se o rei tratava os políticos como lacaios, tratava a gente do povo com extrema bondade. Terá mesmo dito viver em um país de bananas governado por sacanas.



Continuando a citar Raul Brandão, D. Carlos aponta a África a uma plêiade brilhante de oficiais, que ele próprio incita, compreendendo que o grande Portugal é outro, e que esta faixa de terreno, com um clima agrícola horrível, só pode ser vinha e um lugar de repouso e prazer. De lá, desse novo Brasil - dos extensos planaltos de Angola, que duas vezes por ano produzem trigo -, tem de nos vir o oiro e o pão. O resto é visão de pequenos estadistas de trazer por casa. Só ele fala (e sonha) num Portugal Maior, e num Portugal esplêndido

Pelo contrário, Sampaio Bruno dizia na altura: o regicídio é, seguramente, um acto condenável, mas o despotismo não o é menos. O tiranicídio é, na verdade, um crime; mas a tirania é também um crime



Como depois reconheceu Guerra Junqueiro: a revolução urgente não era social nem política, era moral. Nem havia a escolher entre monarquia e república, pois que, para escolher entre duas coisas, é necessário existirem. A segurança da pátria exigia inadiavelmente à frente do governo um homem de superior inteligência, de altivo carácter, de ânimo heróico e resoluto. Era-o D. Carlos? Obedeceríamos a D. Carlos. Uma alma, uma vassoira e uma carroça, de nada mais precisava. Varrer, limpeza geral, pôr isto decente.O tiro no rei e no príncipe real matou o próprio sistema político e anunciou o fim da monarquia.

Em Agosto de 1907, em pleno Conselho de Estado, Júlio de Vilhena chegou a proclamar: isto termina fatalmente por um crime ou por uma revolução . O crime aconteceu com o regicídio; a revolução, com a instauração da república. O jogo rotativista conduzira à tragédia. O salto em frente de João Franco acelerara-a .




O que se seguiu até à instauração da república não passou do exercício de um cadáver adiado que procriava governos e maiorias parlamentares, onde, continuando a não haver povo, até já faltavam os partidos, as facções e os próprios homens. A tal monarquia nova que não passou do regresso à sagacidade de José Luciano.