Não há pior emenda do que a freitista falta de soneto... com memórias do cabralismo e da pantouflage
Não há pior emenda do que a falta de soneto, especialmente quando uma figura catedraticamente intelectual e beatamente culta, sentada no alto do seu cadeirão ministerial, despacha, segundo a ciência certa e o quase poder absoluto, quem, palacianamente, é decretado como pretensamente intelectual e pretensamente culto e não pode ir fazer exposições de arte à Arábia Saudita, acompanhando a inspiração de Roma e os contratos de Estado ismaelitas. Apenas se torna ridículo que se assuma como o pilar fundamental da democracia doméstica e que se visione como seguro indispensável contra o choque de civilizações. Felizmente que ainda não chegámos ao jardim da madeirense, onde o crítico é mais do que dissidente, dado correr o risco de ser demonizado como passível de insanidade mensal, oficializada pela ADSE.
Ele, a rocha firme da paz e o grande educador do Ocidente, especialmente quando manda a imprensa publicar o último parágrafo do recente comunicado do presidente Bush, apenas tendo, contra seus dramas e rimances, o habitual bando dos tais intelectuais radicais de esquerda e de direita que não vislumbram a sorte que a Providência nos concedeu ao colocá-lo no Palácio das Necessidades, que é coisa que fica um bocado abaixo do Cemitério dos Prazeres, onde há banheiras onde se não escorrega.
Apenas mudo de canal a tempo de assistir à conferência de imprensa do ex-cônsul de Nino Vieira, zurzindo no nosso querido presidente que, a dar as últimas, foi em visita de soberania ao país interior e, temendo o separatismo de Canas, decidiu não divulgar a agenda, preferindo um novo regime de caleche fechada e quase à cavalgada, bem longe de Senhorim, como se já não tivessem passado quase noventa anos sobre um incidente magnicida na estação do Rossio.
Ainda mudo de canal e reparo que Manuela Ferreira Leite, seguindo as pisadas de Pina Moura, se passou para um banco espanhol, em nome do anterior "curriculum" de ministra das finanças, tal como antes era dirigente do ISCAL, em nome do anterior "curriculum" como ministra da educação.
Continuo a mudar de canal e vejo que finalmente José Manuel Durão Barroso se doutorou na escola onde foi docente, mas "honoris causa", sítio onde também andaram o Nuno Severiano Teixeira e uma outra deputada qualquer. Resta saber qual é o próximo, ou passado, ministro, ou deputado, que irá para este lugar dos "States", sob pena de participar no próximo comício do Bloco de Esquerda contra a guerra no Iraque, dado que tudo aponta para o regresso de Paulo ao Caldas, ou a respectiva elevação a director do IDN, sem procuração, dado que o zé não passa de ribeiro, sem adequada resistência castreja, talvez por ter sido tempo demais adjunto do diogo.
Por isso, recordo que, nas efemérides de hoje, importa assinalar que, em 1842, António Bernardo da Costa Cabral consolidava o poder, ao obrigar à chamada restauração da Carta, tal como ontem tomava posse o governo de Bernardino Machado, em 1914, e surgia, na Ditadura Nacional, no ano de 1927, por causa do golpe de Sousa Dias, a Confederação Académica de União Nacional, uma pequena tradução em calão da União Patriótica espanhola de Primo de Rivera (pai) e que, depois, frutificará como nome do partido único do salazarismo, o tal que surgiu por resolução do Conselho de Ministros, à semelhança do partido católico, Centro Católico Português, também fundado por deliberação da conferência episcopal.
Ao recordar o cabralismo, apenas assinalo que em Portugal, quando entramos em decadência sistémica e a "pantouflage" se torna regra de muitas procissões sem hopas, surgem sempre aqueles regimes impostos pelo dinamismo das novas forças vivas que se engrandecem a partir dos escombros das revoluções inacabadas. Emergem também os barões endinheirados pelo devorismo, os descontentes com os ideologismos frustrados e os desejosos por uma adequada representação fáctica ou comenda de lata, nem que seja das clandestinas segundas câmaras; toda uma nomenklatura, ou camarilha, de burocratas ávidos por uma administração centralizada. Como já referia Oliveira Martins, o novo sistema não é nem pretende ser uma ditadura, mas apenas a maneira de fundar uma legalidade que sirva de escudo a um absolutismo de facto, uma força assente numa dócil maioria parlamentar.
E Costa Cabral satisfez as reivindicações desses corpos especiais: deu-lhes uma Câmara dos Pares, vitalícios e hereditários; um Código Administrativo com 400 administradores de concelho, 4000 regedores e cerca de 30000 cabos de polícia, todo um clientelismo estatizante que vai gerar o designado comunismo burocrático: burocracia, riqueza, exército: eis os três pontos de apoio da doutrina; centralização, oligarquia: eis o seu processo.
Também Alexandre Herculano, num duro libelo contra o cabralismo, onde talvez tenha abusado da liberdade de expressão, fala numa facção que tomou raízes na desmoralização que largos anos de guerras civis, de emigrações, de cadeias e de ódios políticos tinham acarretado para o país; facção que se instalou no poder pelo temor habilmente explorado de alguns homens de boa-fé, criados com as velhas ideias e timoratos dos excessos revolucionários da demagogia. A partir de então sofismam-se quase todas as leis salutares que o sistema liberal tinha trazido ao país… aumenta-se a rede do funcionalismo estéril… não se faz uma só lei que não seja para interesse particular… o centro da agiotagem devorou tudo … o lucro fascinava. Era a política de ineptos Machiaveis, de Talleyrands rançosos e caducos que reduz-se afinal de contas a um governo de conventículos, a uma associação nauseabundo de estéreis ambições.
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