a Sobre o tempo que passa: Provincianos, saloios, minhotos e maometanos, com algumas efemérides quase escondidas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

6.2.06

Provincianos, saloios, minhotos e maometanos, com algumas efemérides quase escondidas

Começo de mais uma semana, depois de dois dias de intenso azul, com um breve regresso à beira-mar, ao meu Valbom dos Gaviões, diante das ravinas verdes que vão descendo para a Foz do Lizandro. Abro a agenda e poucas são as efemérides de hoje. Com efeito, apenas reparo como as ruas do mundo se incendeiam, só porque um jornal dinamarquês publicou caricaturas de um profeta de há catorze séculos e algumas massas exaltadas tentam cumprir o mandamento da lei de Deus que proíbe a invocação do nome Dele em vão, dado que, por cá, o mais excitante que há tem a ver com o regresso de Manuel Alegre ao “palramento”, onde a inversão das letras não é um acaso, nem sequer etimológico, ou com o excitante discurso do líder da oposição sobre a sessão de menagem estadual a Bill Gaitas, feita pelo socratismo, com a bênção sampaia.

Depois do silenciamento que lhe foi imposto pela cavacal candidatura, o notável político de Fafe, habitual leitor da camiliana “Moca” lá dessas paragens minhotas, só porque agora habita nas margens suburbanas da ribeira do Jamor, decidiu invocar seus capitaleiros e pouco rurbanos assentos, para zurzir nos seus vizinhos saloios e provincianos, atendendo a uma imagem, onde honrados e gentílicos saloios, como os Costas, António e Alberto, ou minhotos, como o Diogo, sob o comando de transmontanos de educação beirã, se puseram de canetais cócoras assinando a cosmopolita carta de intenções que o estrelar Mariano negociou com a Linux e acabou por subscrever com a Microsoft, por causa do “hackeriano” atraso na contagem dos votos das últimas eleições autárquicas. Sobre a matéria, nada digo, apenas sorrio, porque não estou com veia satírica e ainda sofro com as proféticas palavras que emiti na televisão e em directo no passado dia 16, quando decidi defender a honra dos saloios e a possibilidade de pormos o Menino Jesus e outros sagrados em caricatura.

Indo ao meu “moleskin” das efemérides, reparo que, por não ter teclado, deixei passar, no dia 4, sábado, o nascimento de Garrett (1799), o começo da conferência de Yalta (1945) e dois acontecimentos da nossa pré-guerra colonial: os incidentes do massacre de Batepá em São Tomé (1953) e o assalto à cadeia de Luanda que costuma marcar o início da luta armada do MPLA (1961). Para além do começo da revolta anticabralista de Torres Novas (1844). Também não consegui, no dia 5, falar sobre a fusão dos liberais e reconstituintes no Partido Nacionalista (1923), sobre a revolta lisboeta contra os preços da farinha, já com forte participação liderante dos comunistas (1931) e sobre o pedido de demissão de Mota Pinto como presidente do PSD (1985), tal como hoje nada comento sobre o surgimento da república de Weimar (1919) e a entronização da rainha Isabel II (1952). O tempo que passa é mais atractivo do que o tempo que passou.