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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

30.3.06

Sidónio, República Velha, saudades de outro Gago que era Coutinho, FCT e burrocracias da burocracia

A manhã se vai levantando, espreito as efemérides da agenda, fico a saber que Reagan foi neste dia baleado em Washington (1981), reparo que em pleno sidonismo foi fundado um novo partido, o Partido Nacional Republicano, que ia de Egas Moniz a Machado Santos, mas que ficou dependente de um homem e logo de uma bala sem ser perdida ou de uma constipação mal tratada. Noto também que um ano depois já em pós-sidonismo, depois da República Nova se ter extinto, regressava-se À República Velha, com o governo de Domingos Pereira, neste mesmo dia, o tal gabinete que, para resolver a crise do pós-guerra fez emitir o mais gordo "Diário do Governo" da história do país, com milhentos decretos nomeando milhentos funcionários que mostraram fidelidade ao regime, antes de Sócrates, o tal que continua República Velha, anunciar hoje o seu PRACE que vai reavaliar 120 serviços e 75 000 funcionários.

Vale-nos que, em plena República Velha, neste mesmo dia de 1922, com subsídio do então ministério da ciência um tal Gago que era Coutinho e um tal Sacadura que era Cabral ousaram voltar a dar-nos sonho, iniciando a primeira travessia aérea do Atlântico Sul, que é sítio para onde deveríamos voltar a navegar, com muita ciência, não apenas de fotocópia importada, mas também se invenção. Jugo que o Gago de então não teve que aceder ao "site" da FCT nem que ouvir os discursos do Heitor, o parecer prévio do Reitor Primaz ou os preconceitos ideológicos dos que co-escreveram livros com o Heitor. Tinha a tal mais valia do que sabia criar e sabia que o sonho comandava a vida. E não dependia dos despachos arbitrários e decretinos dos políticos que acedem ao trono do científico para poderem decretar quem não é científico entre os pares "out of area", mas dependentes da superburocracia dos avaliadores, avaliólogos, palradores e sentenciadores que confundem opinião com conhecimento e ideologia da vindicta com metodologia, só porque têm cara de Professor Pardal e ar de lente da velha Coimbra que já não há e que foi meu berço de vida e escola, mesmo que penas venham de Campo de Ourique.

Por mim que só sei que nada sei, apenas confirmo que ontem durante horas, para poder dizer que era orientador de uma candidata a bolseira perdi horas a ter que meter no tal "site" da afundação dados que obrigatoriamente o mesmo Estado tem, pelos "curricula" apresentados em provas públicas de doutoramento, associado, agregado, catedrático e relatórios quinquenais obrigatoriamente entregues em CDRom e tudo ao mesmo senhor Estado dito simplex, mas que ainda não sabe o que é um "link" ou um "copy/paste". Curiosamente, a minha ficha já lá estava, apenas com o número incompleto do meu BI, quando me pediram para participar num outro projecto que tinha adequadas cunhas do presidente da FCT e de outros hierarcas do regime. Para uns, umas simples linhas, para os enteados, uma fila lentíssima de pequenos dados, todos já disponíveis noutras gavetas do mesmo estadão. Viva o simplex desta otomana administração de espertos, onde manda o Senhor Ninguém de uma burrocracia que diz ser contra a burocracia.

Claro que tentei dizer ao tal "site" o que aqui estou dizendo, com os nomes todos, questionando se poderia enviar o CDRom com os tais dados que tenho de escrever, dezenas de vezes por ano, por cada passo que dou, mas o tal "site" é tão estúpido que rejeitava sempre este simples grito dum pobre súbdito do "simplex". Mas se não cumprisse, no prazo indicado, os ditames destes formulários, a minha orientanda sofria as consequências e tive de sofrer, das tripas, coração, contendo-me para não usar do curto-circuito da cunha. Aliás, da última vez que tive de estar presente perante peritos estrangeiros, para defender um projecto, reparei que eu era o único entre várias candidaturas apresentadas.

Ao meu lado, estava outro projecto dirigido por um deputado aposentado que nem sequer pôs os pés nessa prova e obteve logo tudo o que pedia, como o podem demonstrar as belíssimas fotografias de turismo científico que ainda hoje estão expostas no gabinete dos variados funcionários administrativos que os acompanharam a longínquas paragens de pesquisa, com sol e palmeiras. Que venha o simplex, rapidamente e em força. Para que historiadores medievais e banqueiros aposentados não tenham que dar opiniões científicas rejeitadoras de projectos de geoliteracia apresentados por catedráticos de geoliteracia só porque não seguiam os ditamos do catedrático doutor em corredores do poder que foi catedrático quase vinte anos antes de se doutorar!