a Sobre o tempo que passa: Oliveira Martins, revolta radical de 1913 e Salazar no poder

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

27.4.06

Oliveira Martins, revolta radical de 1913 e Salazar no poder

Madrugada de 27 de Abril. Dia em que, no ano de 1888, Joaquim Pedro de Oliveira Martins, instalado em Lisboa, depois de aceitar, de Mariano de Carvalho, um tacho na administração dos Tabacos, passa a dirigir O Repórter, onde escreve diariamente, um comentário doutrinal, desde 21 de Janeiro, a presenta um projecto de lei do fomento rural que, depois, editará autonomamente, constituindo uma espécie de programa do frustrado ministério da agricultura que Emídio Navarro bloqueara e que será mais um projecto por cumprir, para usarmos o título do prefácio à reedição do mesmo, A Política Agrícola de Oliveira Martins, Lisboa, Secretaria-Geral do Ministério da Agricultura, Pescas e Alimentação, 1987, mas que não consta do que saiu dos prelos, porque um hierarca, adjunto do ministro Álvaro Barreto, decidiu excluir o texto da nossa autoria, talvez porque, pouco antes, tínhamos sido candidato a deputado contra o mesmo ministro pelo círculo de Beja. Na altura, comemorando o centenário do evento, procurávamos levar o ministério a compensar a fúria tecnocrática que marcava a provinciana integração na CEE, com a instauração de um museu agrícola.

Dia 27 de Abril de 1913, quando, em pleno governo de Afonso Costa, se desencadeia uma revolta dita radical, o primeiro golpe organizado por republicanos contra um governo republicano. Os líderes militares são presos, juntamente com Álvaro Soares Andrea, João Cerejo, Fausto Guedes e Mário Monteiro. Alguns dos detidos são antigos apoiantes e organizadores das manifestações de rua dos democráticos. Na sequência do golpe acabam suspensos os jornais O Dia, A Nação, O Intransigente, O Socialista e O Sindicalista. O jornal O Mundo logo culpa os monárquicos do sucedido, embora logo seja encerrada a Casa Sindical pela terceira vez. Se Brito Camacho chama bandidos aos revoltosos. Machado Santos logo responde, dizendo que os deputados devem as carteiras a muitos dos agora detidos.

Dia 27 de Abril de 1928: Salazar, com 39 anos, toma posse como ministro das finanças do governo de Vicente de Freitas, iniciado no anterior dia 18. Iniciava-se a ditadura das finanças que vai virar do avesso a ditadura militar dita nacional: Sei muito bem o que quero e para onde vou, mas não se me exija que chegue ao fim em poucos meses. No mais, que o país estude, represente, reclame, discuta, mas que obedeça quando se chegar à altura de mandar.

Como então observa Fernando Pessoa: ele estabeleceu imediatamente o seu prestígio quando tomou posse, através de um discurso que é tão diferente dos discursos políticos habituais que o país aderiu a ele de imediato. E o público é incompetente para apreciar uma coisa tão profundamente técnica como as suas reformas financeiras. Ao fim e ao cabo, o prestígio é sempre não-técnico. Como, depois, anota Luís Cabral de Moncada: Salazar foi mais do que um homem; foi um verdadeiro fenómeno europeu; ou, se quisermos, por fim, um conceito político, susceptível de se converter mais tarde no suporte de um autêntico mito.

Infelizmente, ontem, sem postalizar, que tive muitas aulas até às tantas e fui à SIC comentar o não-discurso de Cavaco do dia 25, não assinalei que, no ano de 1955, terminava a Conferência de Bandung, que, em 1711, nascia David Hume e que em 1916 suicidava-se em Paris Mário de Sá Carneiro. Porque, do acidente de Chernobyl todos falaram abundantemente. Estranho que não tenha sido entrevistado sobre a matéria o conhecido velejador e refinador de petróleo Patrick Monteiro de Barros, para nos explicar o que faria com os resíduos da central nuclear que pretende construir, dado que os mesmos durarão séculos e não me parece conveniente que se instalem na sua baía de Cascais ou no mar da Palha.