Porque temos o nós dentro do eu, importa esquecer que também a solidão vive dentro de nós
E que ontem nem tive tempo para assinalar que Lisboa e o Vaticano subscreveram a Concordata que ainda nos rege (1940). Ou que os franceses foram derrotados em Dien Bien Phu (1954). Porque se, em 7 de Maio de 1829, o terrorismo de Estado miguelista enchia as mãos de sangue, executando opositores, já em 6 de Maio de 1834, eram os próprios miguelistas caçados pelos novos vencedores da vindicta, sendo encontrado morto numa palhota esse grande intelectual e político chamado José Acúrsio das Neves.
Sempre esta espiral da violência física, acicatada pelas falsas ideias, sobretudo para quem tem memória e reconhece a pequenez de, muito individualmente, repetir erros de sempre, entre fantasmas e preconceitos. Logo, apenas tenho a obrigação de, aqui e agora, me pensar, pensando nos outros que somos nós, porque temos o nós dentro do eu e nada de novo debaixo do sol.
Continuamos a não fazer aos outros aquilo que gostaríamos que nos fizessem. Continuamos a temer a comunidade das coisas que se amam. Continuamos este vazio de não sentirmos o próximo como precisamos que o outro nos sinta e compreenda. E espiralamos em dúvidas, descrenças e algumas violências. Por mim, hoje, não atiro mais nenhuma pedrada. Debato-me em silêncio e em revolta, contra quem sou, temendo a cobardia de fugir, sem olhar o sol de frente.
Vou à minha arca dos poemas por fazer e reparo que as páginas estão há muito tempo em branco, apesar de as escrever todos os dias. E tento sulcar livre em meu destino, mesmo que seja contra meus medos. E assim me continuo nesta procura de estar vivo, de sentir que posso ser mais se me perdoarem.
Apetece voltar a ser alma errante de nómada que gosta de parar e percorrer a prometida viagem que o mar das trevas sempre sulcou. Mesmo quando há vozes que se não ouvem ou não lembrança dos sinais que, rasgando a carne, nos marcaram.
Porque basta um gesto, um sorriso, para se encher uma página de azul e esquecer, por momentos, a solidão que vive dentro de nós.
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