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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

2.9.06

De Brasília, com pancadas de chuva e visita a sebos

Depois de tantos dias a vinte por cento de humidade, aqui em Brasília, chegaram fortes pancadas de chuva que lavaram o ar e avivaram o vermelho da terra. Aproveito o temporal para dar uma volta pela feira do livro cá da capital, dado que este ano não tive tempo de ir à de Lisboa. Julgo que esta viagem pelos editores e sebos é um excelente revelador do estado cultural deste gigante adormecido e com o qual a língua portuguesa pode garantir a sua força de afectos para os próximos séculos. Noto, sobretudo, a forte presença de editoras religiosas, tanto católicas como protestantes, com o seu caudal de filosofia e teologia, e reparo como já está em saldo a literatura vulgarizadora do neo-marxismo, desde o gramsciano ao porto-alegrense, apesar de poder notar que a cultura coimbrã continua a estar bem representada pelo professor Boaventura, que aqui se diz "Souza".


Volto a sublinhar como por estas paragens sempre se deu grande destaque à produção internacional de sociologia e de politologia, talve por causa da República Positivista que transformou em lema nacional a divisa de Comte e pôs na bandeira o verde que ele propunha para a salvação da humanidade. Mas talvez tenha sido por causa disso que o lado antipositivista aqui também floresceu, nomeadamente o neotomismo maritainista, bem represemtado pelo fulgor de Alceu Amoroso Lima. Nesta terra de contrastes, a sobrevivência impõe que se pratique o pluralismo e impede a unidimensionalidade, mesmo quando o Estado tem uma doutrina e se transforma numa força que a difunde a partir do vértice.

Apesar de bem distante de Lisboa, o celular tocou para eu comentar as afirmações do antigo chefe dos nossos patrões, sobre a eventual necessidade de um novo partido de direita. Reparo também que um grupo de amigos de um antigo, mas jovem, líder de um dos ainda existentes partidos, decidiu emitir um manifesto de direita, arrependido que está de ter ajudado a lançar um partido que não se dizia da direita, mas que agora reentrou em fundacionalismos, exorcizando o pequeno passado que tem. Não comento. Se a direita são os conselhos de Ferraz da Costa e da sua direita dos interesses e o tal manifesto, é evidente que com eles não me identifico. Continuo um radical do centro excêntrico e a subscrever o que está na coluna esquerda deste blogue. Navegar é preciso, viver assim não é preciso...