a Sobre o tempo que passa: O que é comum não pode ser de nenhum

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

28.3.07

O que é comum não pode ser de nenhum

Vistas à distância de um oceano inteiro, as nossas notícias da política doméstica, quase reduzidas a guerrazinhas de homenzinhos e mulherzinhas, são ridicularmente minúsculas. Que influência pode ter no diálogo Norte/Sul a anunciada demissão de Maria José Nogueira Pinto do PP e da autarquia alfacinha, ou a candidatura de Luís Filipe Menezes à liderança do PSD? Ou que influências tem no combate aos processos de combate à guerrilha urbana das favelas a detenção dos donos do poder na Universidade Independente?

Essas questões de cozinha doméstica estão, aliás, em consonância com a grande conferência que Jaime Gama promoveu sobre a corrupção que quase se reduziu às fotografias tiradas a Morgado, Pinto Monteiro e Garzón em plenos Passos Perdidos, o nosso lusitano e maçónico nome para qulificarmos um "átrio" parlamentar que, em anglo-americano se diz "lobby". Porque os principais responsáveis pelo vazio legislativo sobre a matéria apenas fizeram uma provincianista lavagem de imagem, para esquecermos que quase todos eles assentaram em longos anos de balbúrdia quanto ao financiamento partidário, apesar de terem sido lestos quanto à tipificação legal dos crimes de corrupção. Em vez de fabricararem uma imagem, os nossos deputados partidocratas deveriam dar o exemplo.

A questão política em Portugal continua a ser a de confundirmos a polis com a oikos, a respublica com a domus, não assumindo que o político foi inventado para deixarmos de ter um dono, um dominus, ou um oikos despote. O despotismo paternalista de Salazar tem esta origem. O actual processo de compra privada do poder, a chamada corrupção, assenta na mesma estaca. Tal como o clientelismo, o favoritismo, a cunha e o nepotismo derivam da devorista privatização do que deveria ser público, onde o que é comum não pode ser de nenhum, conforme o lema das nossas aldeias comunitárias.

Quando lemos que a história da Universidade Independente (UnI) confunde-se com a amizade de três famílias: Carvalho, Verde e Arouca. Lima de Carvalho levou a mulher para a gestão da UnI, Rui Verde o irmão e Luiz Arouca dois filhos, quase poderíamos aplicar a história à política partidocrática, onde genealogias de filhos, sobrinhos, primos e dependentes de inúmeros filhos de algo se perpetuam em deputados, ministros, secretários de estado, chefes de gabinete, adjuntos e assessores, bem como em toda a fileira de nomeados. Basta fazermos científicas listas de jobs for the boys, em vez de colóquios internacionais, para declararmos a dimensão da nossa pequenez.