a Sobre o tempo que passa: O Ensino Superior à procura de bom senso

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.4.07

O Ensino Superior à procura de bom senso

Segunda-feira, regresso a Lisboa e ao ambiente das universidades, sabendo que, logo à tarde, às dezoito horas, o senhor ministro vai dar a sentença, como se qualquer ministro pudesse, através de um singular decreto, restaurar uma ideia de obra e estabelecer regras processuais, em que todos possam comungar, através de uma conversão interior. Por mim, fiquei sinceramente estupefacto com o impacto blogosférico das intervenções que aqui tive sobre o caso da UnI, nomeadamente por parte de João Gonçalves, Carlos Abreu Amorim, Rui Fonseca, António Boronha, Tomás Vasques, Eduardo Pitta, Cristina Vieira e tantos outros, cujo registo perdi.


Subscrevo a glosa que me fez Luís Carmelo: o diagnóstico está bem feito, não haja dúvida. Mas o "conúbio" transcende o universo das "Privadas", universo esse - repito - que não deverá nunca ser visto como um todo homogéneo. Muitos Politécnicos, grande parte das Universidades de região e até algumas fronteiriças servem os mesmos fins e proporcionam amiúde moeda de troca para elites (recentes) a nível local, regional e mesmo nacional. Se os jornalistas quiserem, chegam lá. Sobretudo quando deixarem de andar à boleia (seja das modas de circunstância, caso da Independente, seja dos percursos blogosféricos).

Espero, sinceramente, que o senhor ministro resolva a questão mais recente, salvaguardando as expectativas individuais dos estudantes da UnI e dos bons docentes que aí colaboram, valores bem mais altos do que a história da licenciatura de José Sócrates Pinto de Sousa, uma história certamente igual à de muitas outras que afectam outros políticos em funções.

Aliás, ainda recentemente, na minha escola, um alto director-geral deste regime solicitava formalmente ao meu conselho científico que lhe permitissem concluir uma licenciatura pela porta do cavalo da cunha institucional e quando me opus ao processo, alguns dos meus colegas chamaram-me a atenção para poder estar a ofender alguém que geria um dos mais importantes sacos azuis de subsídios para o sector. Apenas lhe respondi que o senhor deveria ser tratado como um qualquer cidadão nas mesmas circunstâncias e que a matéria deveria ser tratada por um qualquer funcionário da secretaria, de acordo com as regras em vigor.

Tanto bastou para que passasse a ser tratado pelo senhor como "persona non grata" e nunca mais recebesse convites da instituição em causa, o que muito me honrou, enquanto os colegas que foram solícitos no transporte da cunha se transformaram em visitantes prebendados de uma coisa que não deveria estar dependente do favor feudal e da vindicta...

A minha breve passagem pelo ensino universitário dito privado, onde tive algumas boas experiências, quando nele se poderia fazer o que era proibido no público, está, aliás, documentada na minha página profissional. E sempre se pautou por princípios tão ou mais rigorosos do que aqueles que pratiquei no público, até ao momento em que a objecção de consciência me levou à opção pela exclusividade.

Se concordo com o que diz o Professor Doutor Luís Carmelo, sobre a promiscuidade das universidades de região, tenho que, infelizmente, dizer que o mesmo espírito neofeudal penetrou nas próprias universidades públicas capitaleiras, às vezes através dos mesmos processos e com os mesmos actores que levaram as privadas à falência. Porque está esgotado o modelo de gestão, criado há quase três décadas, enquanto o chamado processo democrático em curso se transformou numa anedota realmente antidemocrática, onde as promessas do "poder" se transformaram em inimigas do "saber", favorecendo o desenvolvimento de neocorporativismos marcados por autênticas "ditaduras da incompetência".

A própria dialéctica estabelecida entre o grupo do "Conselho de Reitores" e os "ministeriais", com os jogos florais dos velhos e novos "avaliadores", bem expresso no último programa da RTP dos "Prós e Contras", ameaça transformar o pretenso reformismo do dito processo de Bolonha em mais um D. Quixote a lutar contra moinhos de vento. Por mim, sempre preferia a táctica do Sancho Pança, desse submeter-me para sobreviver, desde que tivesse ideia de obra para continuar a lutar para viver. Mantenho as ideias que emiti em Outubro de 2000, numa conferência que proferi em Outubro de 2000, a convite de José Manuel Durão Barroso, no Instituto Francisco Sá Carneiro: O Ensino Superior à procura de bom senso...