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Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

8.4.07

Qualquer pardal prestes a voar tem toda a plumagem aerodinâmica de uma dessas aeronaves que se livram do galho

Domingo de Páscoa, bom dia! Era sempre neste dia, quando a Primavera começava a vencer os restos da invernia, que ia ao meu quintal, colher uma ou duas dessas flores amarelas, azedas por dentro, e tentar encontrar, por entre as verdes e aquíferas ervas, as primeiras papoilas, esperando ansioso que as noites nos trouxessem os primeiros pirilampos que só em Maio se multiplicam. Por isso, em dia de memória da ressurreição, não vou perder meu tempo entre os reitores, a tempo inteiro, na banca e na universidade, que afinal são institucionais figuras do autárquico Bloco de Esquerda, os professores Morais, muito rodoviários, ou os pequenos detalhes da biografia universitária desses primeiros-ministros, humanos, demasiado humanos, na sua vontade de poder.

Prefiro reparar numa eterna lei da sociedade aberta e pluralista em Portugal: ao fim de poucos anos, todos os sinceros regeneradores correm o risco de degenerar em canalhocracia, o nome que D. Pedro V deu aos apoiantes de Saldanha, Fontes e Rodrigo, antes de chamar os históricos do seu tio Loulé ao poder. Só que estes futuros progressistas sem adjectivo não tardaram a reciclar terríveis cabralistas, fazendo-os ministros do novo regime e dando-lhe nacos que caíam da mesa do orçamento, tal como os regeneradores fontistas trataram de repetir a receita realtivamente a antigos esquerdistas, assim se desencadeando as gandezas e misérias de um rotativismo, onde de um lado estavam os iniciais progressistas regeneradores e, do outro, os progressistas históricos, nessa habitual confusão de narizes que nos trouxe ao recente debate entre PSD e PS, onde não têm lugar endireitas nem canhotos, mas apenas os bonzos de sempre.

Prefiro, aqui e agora, reparar que qualquer pardal prestes a voar tem toda a plumagem aerodinâmica de uma dessas aeronaves que se livram do galho e podem esvoaçar livremente por entre as árvores do tempo. Apenas tenho pena que aquele moinho saloio que encabeça este monte claro já não tenha grão nem pedra de moer, nem moleiro, nem farinha, nem nada para dizer. Resta a memória. E este olhar de sempre, diante de um rio donde outrora partiram garbosas naus da carreira da Índia. Por mim, como o Sá de Miranda, apenas digo que entre gentes de antes torcer que quebrar, prefiro o exílio interno, porque homem desta Corte não posso nem sei ser.


Por isso não vou sequer comentar a guerra de cartazes na Rotunda do Marquês de Pombal. Reparo apenas como toda a "intelligentzia" da esquerda dita antifascista escolheu ser instrumento da propaganda daquilo a que chamam extrema-direita e que os aliados lusitanos de Le Pen autodenominam como bloco nacionalista. Quando os humoristas oficiosos do sistema, esses ilustres sucessores de Herman José, depois de anúncios da PT e de horas de tempo de antena na RTP, pretendem ocupar o espaço concorrencial dos partidos, pensando que assim restauram as gargalhadas de protesto dos anos sessenta e setenta, apenas noto que até Salazar fomentava as anedotas que circulavam a seu respeito, dando ânimo aos bobos da Corte.


Os controladores do actual situacionismo também não se importam que as oposições continuem a nível do irreal, seja o infrapolítico da anedota, seja o metapolítico da utopia, para que elas não sejam um transcendente situado, um ideal histórico concreto, capazes subverterem as circunstâncias, a partir do aqui e agora. Se as oposições se reduzirem ao palco do "Zip Zip" ou ao écran do "Contra-Informação", os senhores ministros e deputados continuarão a ser o único realismo a que temos direito, mesmo que Salazar ganhe o concurso dos melhores portugueses de sempre, seguido por Cunhal.

Aliás, foi este último que criticou José Régio quando este defendia a autonomia da arte face à política. Quando a violência blasfema do artista passa a cartaz que uns serviços camarários arranquem, não há Bloco de Esquerda que não proteste. Sugiro que, mesmo sem "royalties" do Alto Comissariado para a Imigração e as Minorias Étnicas, a magnífica força da natureza que é o Gato faça uma gravação em directo de um próximo programa a partir da Quinta da Fonte, em Sacavém, convidando para a emissão um desses ministros com responsabilidades na segurança interna, mas sem que algum dos produtores, realizadores, patrocinadores ou convidados leve seguranças, públicas ou privadas.