a Sobre o tempo que passa: O risco da terceiromundização

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

9.4.07

O risco da terceiromundização

Repito o que disse em Outubro de 2000:

Portugal está a terceiromundizar-se em termos de ensino superior e sobretudo em termos universitários. E à circunstância não são estranhos cinco preconceitos que continuam a enredar o ensino superior:


(1) A estupidez do regime de numerus clausus, face aos nossos principais concorrentes em matéria de liberdade de circulação de pessoas, nomeadamente a Espanha e a França. Especialmente a Espanha que, muito naturalmente, aproveita o nosso vazio de ideias no domínio de uma política defensiva para assumir um nítido expansionismo cultural. Vejam-se as crescentes cadidaturas de jovens portugueses ao ensino superior espanhol, a onda de doutorados espanhóis que já ocupa lugares do nosso ensino superior, privado e pública, ou a autêntica fábrica de títulos de mestrado e de doutoramento que, em regime de hipermercado e de venda por correspondência, ocorre em certas zonas do país vizinho, ao mesmo tempo que continuamos a impedir que alguns jovens masculinos, em crise de adolescência, sossobrem face ao regime de competitividade de gineceu que surge em certas zonas do ensino secundário, onde também continuam a chumbar de forma massificada jovens portugueses de origem africana.


(2) A estupidez do neocorporativismo de certas ordens profissionais, lançando uma política absurda de restrições quantitaivas que acabam por defender os medíocres instalados contra o mérito dos mais novos


(3) A estupidez de um sindicalismo que dá cobertura à reivindicação dos incompetentes, onde se prefere a defesa de postos de vencimento sem produtividade, contra a da criação de novos postos de trabalho, num chauvinismo reaccionariamente gerontocrático.

(4) A estupidez da dupla formação profissional com a criação de centros para exames de mandarinato, quando, através de simples protocolos com as escolas superiores existentes se poderia melhorar a formação permanente ou estabelecer-se um programa integrado de creditação. Para não falarmos na ilusão do senhor dr. que impede o enraizamento do ensino politécnico.


(5) A estupidez de um modelo napoleónico de normaliens segundo o ritmo do Mai 68. Andamos a formar professores para que estes tratem de formar novos professores num ciclo de sucessivas intelligentzias que nunca sabem o que é a vida. Há cada vez mais professores de história, mais professores de filosofia, mais professores de literatura e mais professores de semiologia e cada vez menos historiadores, filósofos, literatos e de comunicadores. Como se muitas das actividades profisisonais não nascessem desse pequeno grande nada que é a vocação, desse pequeno grande nada que é a vontade. Como se não pudesse haver self made men, e portadores dessa centelha de génio que é a inspiração.

Só com um suplemento de alma que permita a moralização da política é que podemos optar por um modelo educativo assente numa clara concepção do mundo e da vida que prepare os indivíduos para a agressividade de uma globalização selvática e uniformista. Só com uma educação personalista que reforce a dimensão individual e a dimensão social da pessoa, onde o nós está dentro do eu e onde cada eu tem de ser entendido como um verdadeiro centro do mundo é que podemos, pela educação moral e pelo civismo, reforçar o autocontrolo do indivíduo e semear a dimensão social do comunitarismo.

Daí que nos pareçam anacrónicos programas de educação cívica de matriz jacobina, excessivamente individualistas e excessivamente estadualistas, quando entendem a cidadania como simples diálogo directo do indivíduo com o Estado, onde a pátria aparece abstractamente solta. Quando importa fazer assentar a pátria noutras instituições comunitárias e dar-lhe o húmus da sociedade civil. Só através de valores personalistas e pluralistas, simultaneamente individuais e comunitários, poderemos evitar o processo de desenraizamente que anda inevitavelmente associado ao europeísmo e à globalização, de maneira que o bairrismo não expulse o municipalismo, e que o provincianismo não se volva num simples ódio da periferia contra o centro. Só desta forma poderemos lutar contra o colectivismo da personalidade autoritária eliminando os fantasmas do salazarismo, do comunismo, bem como os espantalhos do jacobinismo burgês.