a Sobre o tempo que passa: Sobre a exposição dos cadáveres adiados que procriam na nossa barriga de aluguer...

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

3.5.07

Sobre a exposição dos cadáveres adiados que procriam na nossa barriga de aluguer...














Depois de ter lido o aviso "a origem dos cadáveres, segundo a organização, é absolutamente legal e respeita todos os critérios éticos", assisti, há pouco, em directo, pela RTP, à anunciada exposição da politiquice lisboeta, com alguns políticos profissionais inteiros, mas com interesses diferentes em dois órgãos, especialmente no segundo, onde está a minha antiga adjunta e vice-presidente, que não está agarrada ao lugar. Mas não são bonecos, como o Bexiga do PND, ou modelos do corpo humano, são verdadeiros cadáveres preservados graças a uma morosa e dispendiosa técnica, conservando, tanto quanto possível, o seu aspecto real.

Primeiro, foi o esqueleto do santanismo. Nada de muito imponente. Mas, alguns minutos depois, numa entrevista a Judite, algo de menos habitual: uma pele sem corpo, no interior de uma vitrina. Um molde de um corpo ausente que parece feita de pergaminho. "Ó Judite! Eu tenho princípios, eu tenho princípios,
eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios, eu tenho princípios...mas não comento, não comento especialmente as eleições na Madeira, embora queira falar de Oeiras, onde eu fui presidente da Assembleia Municipal com o Isaltino, que também me nomeou grande-administrador da Universidade Atlântica"

Mais à frente, há um homem que corre, com os músculos em visão "explosiva" como se fossem penas cor-de-rosa, um jogador de râguebi, um pensador sentado com o cérebro à mostra que olha para um outro cérebro, um maestro com a sua batuta. Diz que os partidos não admitem corpos estranhos de independentes e que não está para ser atirado borda fora, enquanto há homens (e uma mulher) cortados às fatias longitudinais (duas, três, quatro) e transversais (um corpo deitado, cortado às rodelas, que devido ao afastamento das suas peças, mede cerca de quatro metros). Há ainda um lançador de disco e um guarda-redes a apanhar uma bola de futebol.

Ninguém visita as nove galerias temáticas, onde se passam em revista os sistemas muscular, nervoso, vascular, respiratório, digestivo, reprodutivo, urinário e por último as próteses e diversas cirurgias feitas à partidocracia. Apenas subscrevo o que o grupo pró-Ota emitiu sob a batuta de Henrique Neto. Sou e pratico um regionalista do Centro. A mostra inclui, entre as peças soltas, os pulmões doentes de um fumador e vários especímenes onde os tecidos foram dissolvidos e apenas foram preservadas as veias e artérias - deixando um organismo-fantasma. Há também uma série de embriões e fetos (provenientes de abortos espontâneos) em diversos estádios de desenvolvimento, órgãos fetais e placentas. O país precisa de crescer. De crescer para cima e de crescer para dentro.

A utilidade pedagógica parece indiscutível, mas o impacto psicológico que esta mostra (e outras do mesmo género) terá provocado nos públicos pelo mundo fora não parece justificada. Talvez o fosse há uns anos, mas hoje, as séries televisivas encarregaram-se de nos "educar" neste domínio ao permitir-nos espreitar com um olhar cirúrgico para dentro dos maiores laboratórios de medicina forense e das mais imponentes salas de autópsia.

A exposição estará aberta todos os dias (e até às 23 horas de quinta a domingo) e pode ser vista por adultos e crianças. Os preços é que se poderão revelar proibitivos: 19,50 a 21 euros para os adultos; 17,50 a 19,50 euros para seniores e estudantes; 14,50 a 15,50 euros para crianças. O "pacote família" custa 50 a 55 euros (texto em azul, roubado a
Ana Gerschenfeld, em o "Público").