a Sobre o tempo que passa: Breve elogio do bocejo

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

4.10.07

Breve elogio do bocejo


Ontem, não tive nada para dizer. Falhou esta necessidade de quase quotidiana comunicação blogueira, talvez porque mobilizei a minha reflexão aplicada para o espaço das aulas, talvez porque as frases que me apeteciam escrever sobre os casos do dia já estavam todas escritas, talvez porque me diverti quando me mandaram o video do jovem maoísta Barroso denunciando o ensino burguês, com o pano de fundo de uma RGA.


A pátria do estadão parece mais preocupada com questões tão macropolíticas como a eventual assinatura do chamado tratado reformador da União Europeia, essa colectânea de leis extravagantes, mais ou menos codificadas pelos tecnocratas do "SSS" (sistemático, síntético e scientífico), porque tal coisa sempre poderia compensar o aumento do nosso desemprego, totalmente contrário à tendência dos nossos parceiros europeus e às boas intenções de Sócrates. Afinal, o inferno da realidade está em contraciclo e eventual falta de autenticidade.


Por isso é que meu dia acabou em plena sala dita do Senado, lá no Palácio de São Bento, onde sob o manto real, Fernando Lopes Graça, no seu centenário, veio dar música aos raros políticos que assistiram ao evento. Reparei nos mui reverendos pares do reino, postos em frígido mármore, para que os vindouros não esquecessem seus altíssimos nomes. Notei o peso da razão de Estado nalgumas figuras humanas que, um quarto de hora antes de não verem os seus mandatos renovados, ainda são instituições discursivas. Fotografei intimamente os esclarecidos burocratas que judiciosamente vão judiciando, entre ciclos, caracóis e mexericos. Neste cameral refúgio da voz do povo, borboletas de música conduziram-me ao passado permanecente que resiste em seus palanques. E apeteceu-me fazer o elogio do bocejo.


Porque, amanhã, não vou comemorar o 5 de Outubro, dado que o meu conceito manuelino de legitimidade me obrigaria a retomar o gesto de Paiva Couceiro e a seguir a linha do Partido Progressista, livre dos buissidentes. Continuo a preparar a intervenção que farei, no próximo sábado, no 21º encontro da associação dos professores de filosofia, em Coimbra, enquanto noto que o video maoísta de Barroso, com as suas RGAs, ainda está em plenitude noutros sítios, com serôdios revolucionários de secretaria, entre sociais-fascistas renascidos e fascistas stricto sensu.