a Sobre o tempo que passa: As tácticas do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas

Sobre o tempo que passa

Espremer, gota a gota, o escravo que mantemos escondido dentro de nós. Porque nós inventámos o Estado de Direito, para deixarmos de ter um dono, como dizia Plínio. Basta que não tenhamos medo, conforme o projecto de Étienne la Boétie: "n'ayez pas peur". Na "servitude volontaire" o grande ou pequeno tirano apenas têm o poder que se lhes dá...

20.6.08

As tácticas do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas


Chávez ameaça não vender petróleo a quem aplicar directiva sobre imigração ilegal. Mário Soares vai poder entrevistá-lo sobre a matéria. Líderes europeus não fixam data limite para solução do "não" irlandês. Que raio de país é este que nem às meias-finais da UEFA foi? Cristiano Ronaldo diz que as hipóteses de ir para o Real Madrid «são grandes». Madail está entusiasmado com este exemplo de plataforma de negócios em que se transformou a embaixada lusa à pátria de Guilherme Tell. Três pessoas esfaqueadas após exibição do jogo Portugal-Alemanha. Não consta que tenha sido vingança por causa de La Lys. Portugal fora do Euro2008. Madail continua a mandar. “Número dois” do MDC arrisca pena de morte. Isso foi na terra do Monomapata. Por outras palavras, o normal é haver anormais. Especialmente no dia em que começa o ferreirismo, com o regresso de Paula Teixeira da Cruz.


Por mim, apenas recordo o que ontem apareceu no DN: José Adelino Maltez é igualmente contundente. ... defende que "o normal é haver anormalidade na política, no passado o FMI gerou o Governo PS-CDS, depois o Bloco Central foi também formado pela crise, agora o que se sabe é que a crise voltou". Maltez diz que o regresso do Bloco Central "é o atirar da toalha antes do combate" e alerta para o facto de que já "há demasiados sinais que apontam para isso, para um Governo de pilotagem automática a partir do exterior".


Mais acrescento: julgo que os portugueses puderam confirmar que a pomposa governança deste Estadão se assemelha cada vez mais a um sistema de pilotagem automática, programada para outras circunstâncias que entra em curto-circuito quando acontecem daquelas circunstâncias que não estavam no manual de programação do "porreiro, pá".


Também percebemos que a maioria dos factores de poder já não são meramente domésticos, dado que esta praia ocidental está aberta demais a certas nortadas da globalização predadora, sobretudo quando arrancámos os canaviais que nos protegiam e deixámos que os patos bravos limpassem a areia das dunas que nos davam alguma suavidade.


Indo à outra face da moeda, direi que os primeiros sinais da crise demonstraram que a oposição social não teve adequados canais sistémicos no sistema político, à excepção do PCP que teve a agilidade de se assumir como voz tribunícia de vários grupos sociais em fúria, levando a que, nos mais recentes estudos de opinião, Portugal se tenha tornado no único país da Europa onde, à esquerda dos socialistas, há vinte por cento de preferências.


O que também é um atestado de incompetência das direitas e dos centros que, enredados nas sereias de um populismo de personalizações do poder, não estiveram à altura das exigências de resposta à nova questão social. Mesmo forças morais como as Igrejas, perdidas nos enredos dos grupos de pressão e das barganhas dos passos perdidos, não deram voz ao poder dos sem poder, quando estamos perante causas que se configuram como novas patuleias da baixa classe média.


O governo não é o Estado, ao contrário do que afirmou o Primeiro-Ministro. Com efeito, face às leis vigentes, que criminalizam o "lock out" e as greves selvagens, bastava uma simples intervenção do Ministério Público para que se desencadeasse a reposição da legalidade. Logo, no dia seguinte à superação do impasse, a única atitude correcta seria a de propormos a alteração de tais leis, feitas por outras mentalidades, para outras circunstâncias, dado que se vigorar este regime de primado da oportunidade sobre a legalidade, caímos naquele arbitrário do "governo dos espertos" que escolhe, do manancial de leis, quais as que obedecem à interpretação que os ministros fazem do princípio da legalidade, um pouco à maneira das tolerâncias "zero", com que a EMEL incrementa as regras sobre o estacionamento proibido.


Como diziam os clássicos, para haver diálogo, tem que haver lugares comuns entre adversários. Não podemos chamar diálogo às tácticas do enquanto o pau vai e vem, folgam as costas. E temos que dar tempo ao nosso chefe do governo, para que ele se recompunha deste desafiante fim do estado de graça que ainda há meses parecia só ser possível analisar pelo verso épico do encómio e daquelas magníficas sessões inaugurativas, com filmes de ficção sobre o futuro do TGV e do aeroporto de Alcochete.